De uns tempos para cá, falar de política em alguns países, incluindo o Brasil, tem se tornado temeroso. Há uma crença inabalável em figuras públicas que, se formos sinceros e deixarmos um pouco o viés de confirmação de lado, precisariam ser mais questionadas. Não apenas pelos atos e falas, mas também pelos compromissos assumidos nas propostas de governo.
Este artigo tem esse objetivo. Desapegar-se de nomes e ideais e iniciar um diálogo crítico sobre o que os 04 principais candidatos à Presidência da República estão propondo para o turismo brasileiro nos próximos anos. Para tanto, serão considerados os planos de governo submetidos ao Tribunal Superior Eleitoral – TSE, que estão disponíveis no site, na seção Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais.
Vale lembrar que não há uma exigência quanto ao formato, conteúdo ou número de páginas para os planos de governo na política. Assim, há candidatos que submetem apenas grandes linhas/diretrizes e se comprometem a detalhá-las posteriormente (quando, não se sabe…), e outros que já apresentam um documento mais completo.
Para evitar o pré-julgamento, a análise neste artigo utilizará números para identificar os candidatos, ao invés de nomes. Tais números foram escolhidos de forma aleatória, não seguindo as atuais posições nas pesquisas eleitorais e sem relação com a ordem alfabética dos nomes dos presidenciáveis.
Iniciaremos com o plano de governo do candidato número 04 que, infelizmente, não apresenta propostas políticas para o turismo brasileiro. Este é citado apenas uma vez ao longo do texto, como sendo um beneficiado pela melhoria da segurança pública no país.
Indiretamente, pode-se analisar outras propostas que contemplariam o setor turístico. Por exemplo, cita-se, brevemente, o desejo de ampliar o acesso da comunidade ao lazer. Para a cultura brasileira fala-se em reconhecer a diversidade regional e valorizar o patrimônio histórico. Também é mencionado o compromisso de “investir na democratização do acesso, na fruição e na expansão do consumo de bens e serviços culturais, além do estímulo à economia criativa”. Outra proposta política que pode beneficiar o turismo, mas a relação não é expressa no texto, seria a recriação do Ministério da Cultura que atualmente é uma secretaria especial vinculada ao Ministério do Turismo – MTur.
Já no plano de governo do candidato número 02, o turismo, e/ou seus segmentos, é citado 17 vezes. A proposta política principal consta no eixo estratégico “Economia, Tecnologia e Inovação”, no item “Promover o Crescimento Sustentado do PIB no Médio e Longo Prazo”.
O candidato 02 se compromete a proporcionar “o desenvolvimento do potencial do turismo no Brasil, por meio de ações como a valorização do patrimônio cultural e natural para visitação, do aproveitamento de destinos turísticos inteligentes e da expansão segmentada dos produtos turísticos brasileiros”. Ainda, por meio do “incentivo, no âmbito nacional e internacional, dos destinos e dos produtos turísticos do país, de forma a fomentar o fluxo turístico interno e o aprimoramento da efetividade dos mecanismos de financiamento voltados ao desenvolvimento regional”. Menciona que a atração de investimentos será intensificada e cita a decisão da Organização Mundial do Turismo – OMT em instalar no Brasil o primeiro escritório regional das Américas, o que ainda não foi concretizado. Genericamente, fala de medidas de apoio que serão “consolidadas e ampliadas, como o atendimento às crescentes demandas nacional e internacional de atividades de turismo ambiental responsável e de etnoturismo”.
Em outro eixo, “Sustentabilidade Ambiental”, no item “Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas e Quilombolas”, o etnoturismo é mencionado, junto com outros elementos, como um instrumento para respeito da culturalidade e tradições desses povos. Ainda neste eixo, desta vez no item “Economia Regional”, as visitas guiadas aos parques e o turismo sustentável são citados como aspectos de vida rotineira do amazonense, que mostram “as belezas e características únicas do bioma como forma de aportar recursos à região, bem como apresentar às pessoas de fora (nacionais e estrangeiros) o que é a Amazônia, suas potencialidades e suas realidades”. Por fim, para o setor cultural, a promessa é triplicar os investimentos na proteção dos patrimônios. O que tende a beneficiar o turismo, mesmo que essa relação não conste no texto.
Por sua vez, o plano de governo do candidato número 01, a proposta para o turismo está no eixo “Justiça Social, Cidadania e Combate às Desigualdades”. O compromisso é “apoiar e promover o turismo, em coordenação com o Ministério da Cultura, visando maior atração de visitantes e eventos para o país, com especial atenção aos museus e parques nacionais”. Outro item promete fortalecer e divulgar o ecoturismo no Brasil, mas sem detalhamentos.
A menção ao Ministério da Cultura merece algumas reflexões. A proposta seria integrar os dois ministérios, o de Turismo e o de Cultura? Ou o turismo passaria a ser uma pauta de um recriado Ministério da Cultura? Estaria a continuidade do Ministério do Turismo em xeque? Não há uma clareza sobre esse importante tema na proposta política do candidato número 01.
O turismo também é lembrado no texto como sendo um direito previsto na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Além disso, um dos princípios, diretrizes e compromissos do plano de governo se refere à valorização do patrimônio cultural e histórico, garantindo sua preservação e manutenção.
O último plano de governo a ser analisado é do candidato número 03. Diretamente, o turismo é mencionado na diretriz de “Desenvolvimento Econômico e Sustentabilidade Socioambiental e Climática”. A promessa política é a de estimular a “indústria do turismo, […], por meio da valorização da cultura, do patrimônio histórico e da biodiversidade brasileiras e do ecoturismo”. Cita ainda a retomada de “investimentos em infraestrutura turística, segurança e qualificação dos trabalhadores e das empresas do segmento e a promoção do Brasil no mercado interno e externo”. São ideias mais abertas, que não apresentam grandes inovações.
Ainda, o plano de governo do candidato número 03 propõe estimular a economia criativa, considerada como objeto de fomento para que o Brasil acelere a transição digital. Trata a cultura como uma “dimensão estratégica do processo de reconstrução democrática do país e da retomada do desenvolvimento sustentável”. Também cita o apoio e o incentivo às cidades criativas e sustentáveis. Essas propostas, indiretamente, podem contemplar o turismo brasileiro, agregando elementos mais inovadores.
Este texto não tem a pretensão de esgotar a análise, mas sim iniciar um diálogo sobre os planos que os presidenciáveis têm para o turismo e o espaço que este ocupa na arena das políticas públicas. Alguns candidatos, nos próprios planos de governo encaminhados ao TSE, informam que haverá um momento posterior de detalhamento das propostas, quando serão ouvidos especialistas dos diversos assuntos.
Contudo, é possível jogar luz em alguns pontos. A começar pela ausência de propostas para o turismo no plano de governo do candidato número 04. É alarmante que um dos principais concorrentes ao cargo de Presidente do Brasil não apresente uma única ideia política, mesmo que genérica, para um setor que se mostra tão relevante no mundo todo e que sofreu, e ainda sofre, severas consequências da pandemia do COVID-19.
Sobre as demais propostas, nota-se que os três candidatos enxergam o turismo com uma relação muito próxima com a cultura, expressa de diferentes maneiras. Os recursos naturais também são considerados como ativos importantes para o setor, mesmo que sem um grande detalhamento das ações correlatas. Outra observação interessante é que para dois candidatos, a atividade turística se encaixa em eixos/diretrizes relacionados ao desenvolvimento econômico. Já um candidato considera o turismo como um instrumento de justiça social. Dada a transdisciplinaridade nata do turismo, é compreensível, e desejável, que ele também atue como um movimento de transformação social.
Há de se ressaltar que o texto que apresenta um volume maior de ideias em prol do turismo brasileiro é o do candidato número 02. Também é o plano que apresenta mais pontos de inovação, como a menção aos destinos turísticos inteligentes, que são raros no mundo e ainda não existem no Brasil; e ao etnoturismo, que precisa ser encarado com muito cuidado e planejamento. No entanto, assim como para os demais, haveria margem para o adensamento das propostas.
É muito comum, ao se falar de turismo no Brasil, enaltecer seu potencial. Os diferentes discursos apresentam números superlativos, tanto no que se refere à geração de riquezas, quanto ao poder de transformação social. No entanto, essa suposta valorização atribuída ao turismo ainda não se apresenta claramente nas propostas dos presidenciáveis. Por outro lado, sabe-se que os planos de governo têm um objetivo claro de atrair eleitores de diferentes perfis e que, atualmente, existem assuntos mais “quentes” que capturam a atenção.
O turismo poderá receber maior atenção dos candidatos na medida em que houver uma mobilização política significativa de toda a sua governança. Portanto, é preciso ficar atento ao que cada candidato se compromete a fazer. Consultar outras fontes, como os sites de campanha, novos documentos que venham a ser publicados e análises de especialistas. Participar, se possível, de grupos de debates e estar aberto a escutar novas ideias. A escolha do chefe de nação tem consequências diárias e a participação na questão pública é dever de todos os cidadãos.