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Trago reflexões da Semana do Clima de Nova York, onde, há 16 anos, lideranças globais se reúnem para discutir e propor soluções climáticas. Representa o mais abrangente, multisetorial e acessível evento da sociedade civil, e cresce a cada ano. Em 2024, além de o Climate Group organizar os principais encontros nos palcos da Universidade Columbia, sua curadoria abraçou dezenas de seminários e mesas redondas, entre 22 e 29 de setembro. Pela primeira vez, participei como convidada em alguns encontros, entre eles o Summit da Regenerative Travel e a Mesa Redonda da Cornell University, e, como ouvinte, em discussões multissetoriais, inclusive no Brazil Climate Summit. Retornei a Brasília com percepções renovadas e uma clareza: a história vai nos julgar e, provavelmente, não será pela absolvição, se não mudarmos.  

Jaqueline Gil na Semana do Clima de Nova York

Jaqueline Gil na Semana do Clima de Nova York

Agir a favor do clima pode parecer complexo ou direcionado a grandes investidores, formuladores de estratégias ou decisores em governos ou nos setores de mineração, agronegócio ou petróleo. Essa impressão, felizmente, está equivocada. Entre nossas decisões cotidianas, cada indivíduo dispõe de inúmeras maneiras de impactar negativa ou positivamente o clima. O fenômeno climático, em retorno, impacta a cada um de nós, na mesma direção, porém com mais força. Ainda que catástrofes naturais tenham se intensificado em proporção, frequência e mortalidade nos últimos anos, e seja economicamente mensurável sua destruição, discussões muito difíceis ainda persistem, sobretudo relacionadas a combustíveis fósseis e justiça climática. Sociedades empoderadas, que discutem abertamente, compreendem e pressionam sistematicamente por mudanças, podem interferir muito mais rapidamente e, exatamente por isso, o evento em Nova York é central. 

Nele, turismo foi tema de apenas dois encontros, e participei em ambos. Em destaque, fortes perspectivas de que matrizes de ESG e de Sustentabilidade não funcionaram no tempo e na intensidade necessárias e, portanto, é hora do próximo salto. Ainda que elas não possam ser descartadas, temas corporativos e sustentabilidade na prática já são considerados temas do “passado”. A nova grande fronteira em viagens e turismo é cuidar dos movimentos regenerativos, em ambientes naturais ou urbanos. A regeneração pode se dar na recuperação de biomas (água, solo, fauna e flora), ou no fortalecimento cultural e na ressignificação de espaços urbanos, por exemplo. 

A maior contribuição do turismo ao clima, como discutido na Semana do Clima de Nova York, além das temáticas já conhecidas como transição da matriz energética, circularidade em negócios ou busca de harmonia entre ser humano e o resto da natureza, está no desenho de iniciativas públicas e privadas que visem à regeneração. Sim, estamos falando de o turismo, com todo seu potencial global, econômico, ambiental e sociocultural,  ser instrumento promotor e financiador da recuperação de biomas, de espaços naturais e urbanos.  

Destaco dez pontos, conectando-os a ações relacionadas ao turismo. 

1. Usar energias renováveis.

Demandar mais fomento e facilitação governamental para acesso a matriz energética limpa, principalmente aplicada em equipamentos de uso empresarial ou cotidiano. Exemplos como barcos a motor elétrico e a propulsão de água causam menor impacto e funcionam em águas muito rasas ou profundas. Ou energia limpa, que já pode chegar a qualquer ponto da Terra, trazida com tecnologia wi-fi a partir das placas solares em satélites, fornecida pela inovadora Emrod.   

2. Comprar e promover produtos ou serviços com menor pegada ecológica.

Optar por quem está em transição energética ou conta com baixa ou neutralizada emissão de gases de efeito estufa, sobretudo em relação a transportes, viagens, alimentação, construção civil e gestão de resíduos, é opção realista. Retirar do consumo itens como plástico descartável ou objetos de uso temporário, que viajaram longas distâncias até você (provavelmente emitindo toneladas de CO2) é um primeiro passo. Iniciativas como a Voz dos Oceanos, que comunica o problema dos plásticos nos oceanos e busca solução, a Vinícola Oma Sena (Brasília), que planta uma árvore a cada dia sem chuva no DF enquanto promove seu rótulo Primeira Chuva, ou ainda o Empório Flamejante, que desenvolve produtos de Jatobá enquanto regenera a Mata Atlântica, no desmatado interior de São Paulo, são fundamentais disseminar soluções pragmáticas. 

3. Investir na regeneração de biomas.

Plantar árvores, recuperar fauna e acolher técnicas ancestrais da vida em harmonia entre ser humano e a natureza mais ampla, cada qual no seu habitat. Mora em apartamento? Cultive plantas que sequestram carbono, em casa. Mora em casa? Quantas árvores tem no quintal? Mora em frente a uma praça? Plante mais árvores nela. Tem uma terra? O que faz para regenerar o bioma de origem? Tem uma reserva privada, compartilhe suas técnicas e mobilize mais gente para fazer o mesmo. Um exemplo disseminado em Nova York foi da brasileira Re.Green, que tem como negócio a regeneração em larga escala de florestas tropicais.  No turismo brasileiro, casos incluem o Refúgio Ecológico Caiman (Pantanal), o Cristalino Lodge (Amazônia), a Pousada Trijunção (Cerrado), o Projeto Ibiti (Mata Atlântica), o Quilombo do Campinho (Mata Atlântica) e a Biofábrica de Corais (ecossistema marinho), só para mencionar alguns. 

4. Apoiar lideranças políticas pragmáticas que discutem e decidem a favor do clima.

É possível que, em sua maioria e em todo o mundo, sejam mulheres. Observe e apoie, portanto, mais mulheres na política, sobretudo para mais decisões a favor de mudança no curso de nossas emissões de carbono, da transição rumo à economia para modelos circulares, e de zerar produção de resíduos sólidos poluentes ou inúteis. Lideranças como Jacinda Ardern, Ellen Macarthur, Kamila Camilo e Txai Suruí foram mencionadas neste ano. Lembrar que política não é apenas a partidária ou a pública, mas, sim, aquela que direciona movimentos nas sociedades. 

5. Não há soluções para todos problemas,  nem podemos esperar a COP-30 para agir.

Ainda que a COP em Belém seja uma excelente oportunidade para organizarmos debates, ampliarmos compreensões e ações a favor do clima no Brasil, não é possível esperá-la para agirmos. Saber que o Brasil é tanto potência de soluções climáticas quanto um dos mais vulneráveis países a serem impactados pelas mudanças do clima nos traz responsabilidades dobradas. Episódios simultâneos de crises em todos os biomas brasileiros, neste ano – PantanalCerradoAmazônia, Pampa, Mata Atlântica e, também, na Amazônia Azul, além de seus impactos no contexto sul americano – pode minimizar antigos questionamentos negacionistas. Ademais, há que persistir e começar a agir agora, pois  algumas soluções levam mais tempo do que planejado

6. A narrativa da ação climática precisa crescer, com histórias pragmáticas, positivas e divertidas.

As pessoas precisam gostar disso e, para tanto, “precisamos falar sobre sustentabilidade sem falar sobre sustentabilidade”, disse a editora do tema em uma das mais prestigiadas revistas de turismo do mundo, a Condé Nast, Juliet Kinsman. Esta frase me levou a contar, no painel seguinte ao dela, as iniciativas que criei, ainda na Embratur, como a substituição de brindes do Brasil por adoção de corais (garantiu destaque ao país na Green Travel List 2024 da Wanderlust Magazine/UK), e o deliberado espaço (investimentos e exposição) a iniciativas de regeneração de ecossistemas brasileiros em espaços de grande visibilidade, como na Casa Brasil durante as Olimpíadas em Paris 2024. Essas ações, ainda que aparentemente “pequenas”, quebram paradigmas ao falar de sustentabilidade e de regeneração, sem falar de sustentabilidade nem de regeneração. Precisam se expandir. 

7. As temáticas do clima precisam estar em nosso cotidiano, de maneira agradável e saborosa,

e não apenas como problema. Nem todas as pessoas estão dispostas ou atentas para falar de questões difíceis, ou que estejam aquém de outras preocupações em suas vidas. Um exemplo é o Instituto Bazzar, que aprofunda e dissemina o tema a partir da gastronomia e do turismo, buscando melhorar a experiência gastronômica dos turistas no Rio de Janeiro, enquanto atribui identidade à região e viabiliza produtos orgânicos, artesanais, locais, sazonais e saborosos aos restaurantes da capital carioca. 

8. Turismo é uma força econômica cujos modelos de negócios precisam incorporar investimentos e reinversão de lucros em sua matéria-prima essencial:

a natureza e o clima. Assim como uma propriedade responsável do agronegócio, que depende da qualidade do solo e da água, do sol, da chuva e de tecnologias (ancestrais ou atuais) para produzir alimentos em grande escala, o turismo precisa considerar a conservação da natureza como essencial ao seu negócio, presente e futuro. De aeroportos fechados por excessiva temperatura a milhares de empreendedores que perdem seus negócios e turistas que enfrentam catástrofes climáticas enquanto curtem suas férias, o impacto e os prejuízos, se nada for feito, serão cada vez mais previsíveis.

9. Empoderar lideranças conectadas com soluções climáticas é uma necessidade.

Evoluir em políticas públicas e em modelos de negócios se faz com pensamento fresco e diverso, além de coragem para ousar. É possível que não se consiga quebrar novos paradigmas com as mesmas fórmulas do passado. O problema é que o passado ainda domina, sobretudo o machismo branco e corporativo. 

10. Em 2025, líderes do turismo brasileiro precisam se fazer presentes nas discussões de clima.

Vale lembrar que a COP é um evento das Nações Unidas, e que há quase 30 anos conta com participação da mais alta cúpula de governos do mundo todo, com presença importante, mas não decisória da sociedade civil. Ano que vem o Governo do Brasil lidera a COP 30 e deve recuperar o protagonismo, desde a Rio-92, nos temas de meio ambiente. A Semana do Clima de Nova York é uma iniciativa da sociedade civil para empoderar a sociedade civil, apesar dos governos. Turismo não pode seguir de fora. 

Acesse aqui o site da Semana do Clima de Nova York para saber mais.

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