Nos artigos anteriores, exploramos como o turismo pode ser um poderoso agente de regeneração ambiental, social e econômica. Mas como isso se materializa na prática? Movidos por essa inquietação, analisamos casos de destinos que estão repensando a atividade turística e suas conexões com setores afins — como a agricultura — a partir de uma abordagem regenerativa promissora.
O caso da Califórnia
Na Califórnia, esse movimento ganhou grande força. O estado tem como meta tornar-se a primeira economia regenerativa do mundo. Conhecida por suas paisagens diversas — que vão de praias a montanhas e desertos — e como um dos maiores produtores agrícolas dos Estados Unidos, a Califórnia enfrenta severos desafios, como a seca agravada pelas mudanças climáticas. Diante desse cenário, propriedades agrícolas, organizações e políticas públicas têm se unido em prol de uma agricultura verdadeiramente eficiente, ou seja, capaz de regenerar.
Turismo e agricultura regenerativa
Integradas ao turismo, essas práticas agrícolas regenerativas são um solo fértil para experiências autênticas e de alto valor: colheitas participativas, oficinas de agroecologia, hospedagens sustentáveis, programas educativos, eventos sociais, técnicos e gastronômicos. Essas ofertas fortalecem a agricultura familiar, promovem a conservação ambiental e criam pontes entre o campo e a cidade por meio da gastronomia e de um estilo de vida mais consciente. O resultado é uma cadeia virtuosa que revitaliza comunidades e fortalece economias locais.
Principais aprendizados para destinos turísticos com potencial rural e regenerativo:
1. Visão Sistêmica:
Turismo e agricultura regenerativa não devem ser tratados como atividades isoladas, mas como partes de uma transformação abrangente. O fortalecimento dessa integração depende de programas e iniciativas multidisciplinares, movidos por um propósito comum de regeneração. Essa visão permite articular práticas agrícolas, turismo, educação ambiental e sistemas alimentares locais de forma sinérgica. Envolve diversos atores: órgãos oficiais de turismo, agricultura, meio ambiente, entidades financiadoras, organizações não governamentais, entidades e alianças de desenvolvimento regenerativo e sustentável, universidades, escolas técnicas e programas de pesquisa e redes locais de relacionamento.
2. Turismo como plataforma regenerativa:
O turismo financia e constrói pontes no movimento regenerativo. Os programas de visitação contribuem para expandir consciência ambiental, cultural e social, dar visibilidade às iniciativas, gerar vendas dos produtos agrícolas – especialmente por meio do modelo de CSA – Comunity Suportted Agriculture -, assim como produzir receitas adicionais aos produtores que promovem a regeneração à nível local gerando impacto macro e planetário. O turista deixa então de ser um simples consumidor viajante, mas sim apoiador do resgate da agricultura limpa e justa, reconhecendo e financiando o serviço ambiental e social prestado pelas propriedades, sendo convidado a atuar nas trocas comerciais e inclusive com doações.
Fazendas como The Apricot Lane (www.apricotlanefarms), Impossible Acres Farm (www.impossibleacres.com), The Good Humus (www.goodhumus.com), Pie Ranch (www.pieranch.org) tem isso muito bem estabelecido em seus modelos de negócios disruptivos, tornando-se bandeira para causas ambientais, comunitárias e de inclusão social.
Indo além, o turismo torna-se um espaço de união e celebração ao redor do movimento regenerativo, tanto na própria comunidade local como nessa comunidade estendida, em que se incluem os turistas e demais parceiros. Isso ocorre especialmente na ocasião de experiencias e eventos – um jantar aberto na fazenda, uma roda de conversas, festividades dirigias à turistas e locais como as festas de colheita ou mesmo casamentos e eventos sociais que fortalecem laços familiares e dentre pessoas que compartilham essa consciência.
3. Fazendas e propriedades como Centros de Experiência e Educação:
Mais do que atrativos turísticos, as propriedades se tornam laboratórios vivos para educação, troca de saberes e experiências imersivas, com ofertas produzidas com alto valor de mercado. The Ecology Center (www.theecologycenter.org), com seu portfólio de experiências assinadas, e outras propriedades como Fully Belly Farm (www.fullbellyfarm.com), The Apple Farm (www.philoapplefarm.com), The Refarmery (www.therefarmery.com), trazem diversas inspirações para a estruturação de portfólios de produtos atrativos, que engajam diferentes públicos, a partir de uma abordagem holística e cooperada, o que abre espaço para uma ampla diversificação de turismo e agricultura regenerativa.
São experiências gastronômicas (farm-to-table) assinadas por chefs, cafés e restaurantes rurais que usam produtos orgânicos, locais, sazonais e justos, variados programas recreativos e de entretenimento, ecolodges e estadias rurais que se diferenciam por práticas responsáveis, colheitas lúdicas e de colha e pague (U-pick), ensaios fotográficos, caminhadas, biking, cavalgadas, retiros, yoga, atividades holísticas e de mindfulness, oficinas de experimentação, cursos e workshops de fazeres artesanais e manuais, exposições de arte, dentre outros.
Além dos programas educacionais “hands-on”, recreativos, técnico-profissionalizantes, imersões e de voluntários em que são também referência projetos como Singing Frogs Farm (www.singingfrogsfarm.com), Pacines Ranch (www.paicineslearning.org), Wild Willow Farm and Education Center (www.wildwillowfarm.org), The biggest litthe farm school (www.apricotlanefarms.com/farm-school), além de fazendas urbanas, comunitárias e sem fins lucrativos tais como Soil Born (www.soilborn.org) e Three Sisters Garden (www.3sistersgardens.com).

Three Sisters Gardens – Foto de Hilary Rance
4. Conexão entre Campo e Cidade:
a valorização do turismo rural passa pela conexão com os centros urbanos, especialmente através da gastronomia, no diálogo com o sistema alimentar e com a nutrição consciente. Mercados de produtores, restaurantes 0km, eventos, itinerários, dentre outros tornam-se fundamentais para impulsionar propriedades e produtores, aproximam consumidores e produtores, promovem os destinos e fortalecem relações baseadas em confiança, sustentabilidade e identidade territorial. Destinos como a região de Sacramento (https://www.visitsacramento.com), sob o slogan “Farm to Fork” (da fazenda ao garfo), mostra como é possível articular o sistema alimentar local ao turismo, criando novos produtos turísticos e um forte senso de identidade regional a partir dessa conexão rural-urbana.
5. Marketing de Propósito e Identidade:
É essencial investir em comunicação estratégica para destacar o valor das experiências regenerativas. Isso envolve branding, design atrativo, mensagens e conteúdos relevantes, comunicação transparente, storytelling envolvente e certificações de práticas sustentáveis, que aproveita a visibilidade do tema na atualidade para potencializar e reforçar o debate público e a conscientização ao redor da causa regenerativa. The Urban Edge Farm (www.theurbanedgefarm.com) se destaca pela clareza na comunicação de seu impacto, enquanto The Apricot Lane (www.apricotlanefarms) tema do documentário “The Biggest Little Farm”, é uma das principais referências na criação de uma love brand, monetizando eventos e produtos físicos. A estratégia é utilizada por diversas outras propriedades em menor escala como The Full Belly Farm, The Good Hummus, entre outras.
Um caminho possível para destinos que querem inovar
Conectar turismo e agricultura regenerativa pode ser uma estratégia potente para promover economias mais sustentáveis e regenerativas. Destinos que apostam nessa integração têm a oportunidade de se posicionar de forma inovadora por meio de um modelo econômico de altíssimo valor. Ou seja, capaz de gerar novos negócios, dinamizar as economias locais e suas cadeias, ao mesmo tempo que favorece a regeneração de ecossistemas, solos, biodiversidade, o resgate cultural e de tradições agrícolas, rurais e indígenas e o fortalecimento de comunidades resilientes que zelam pela segurança alimentar. Um caminho alinhado aos desafios e aspirações do nosso tempo.