O turismo ganhou um espaço inédito na pauta climática internacional desde a criação do Dia do Turismo na COP29, realizada no ano passado em Dubai. O setor deixou oficialmente de ser espectador dos debates sobre o aquecimento global para se colocar como parte integrante do problema e — temos esperança — também da solução. Esse marco simbólico reflete um reconhecimento necessário: o turismo é um dos maiores fenômenos socioeconômicos do nosso tempo e, simultaneamente, um dos mais impactantes do ponto de vista ambiental. Em um planeta onde mais de um bilhão de pessoas cruzam fronteiras anualmente em busca de lazer, trabalho ou experiências transformadoras, as emissões de CO₂ do transporte aéreo, a pressão sobre destinos frágeis e o consumo excessivo de recursos naturais são desafios urgentes que não podem ser ignorados.

Foto: Embratur
É nesse contexto que a COP30 ganha um simbolismo poderoso para as pautas do turismo. A escolha da capital paraense como sede de um evento global tão relevante convida o mundo a olhar para a Amazônia de outra forma. E a reflexão que proponho é: o que o turismo amazônico tem a trazer de aprendizado para o desafio das mudanças climáticas?
A Amazônia possui um fluxo de turismo modesto, o que se explica por muitos motivos: a escassa infraestrutura instalada, a ausência histórica de políticas públicas que priorizassem o turismo na região, os altos custos logísticos das viagens, o desconhecimento — e, não raro, o medo ou preconceito — do público potencial.
Grande parte do turismo que acontece hoje no bioma é direcionada ao público de luxo, que se hospeda em lodges de selva ou barcos confortáveis. Uma parcela ainda tímida, mas crescente (que inclui, mas vai além do turista de luxo), visita comunidades tradicionais. Entre elas estão ribeirinhos, pescadores artesanais, extrativistas, quilombolas e diversas etnias indígenas.
Esse turismo em comunidades amazônidas tem um potencial de impacto ganha-ganha-ganha. A floresta ganha se o turismo for manejado dentro da capacidade de carga e de modo que a renda gerada ajude a comunidade a se manter na terra como guardiã, utilizando de forma sustentável os recursos naturais. A cultura ganha se as tradições forem valorizadas pelos visitantes e se os recursos da biodiversidade puderem gerar renda, mantendo novas gerações em ofícios ancestrais. E o turista ganha se a experiência de contato com a floresta lhe proporcionar aprendizados para a vida.
Quero me deter um pouco nesse último ponto: aprendizados para a vida. O autor espanhol Jorge Larrosa Bondía reflete sobre como o turismo pode ser revolucionário em um mundo em que tantas coisas acontecem, mas quase nada nos acontece — no sentido de nos tocar, de nos atravessar. Mais do que ler sobre bioeconomia em livros ou assistir a documentários, vivenciar uma experiência com pessoas que vivem na floresta — e da floresta — pode gerar uma nova perspectiva sobre a relação entre ser humano e natureza.
E por que é importante rever essa relação? Muitos autores europeus já falaram sobre isso, mas prefiro recorrer ao nosso querido Ailton Krenak, que nos ajuda a evidenciar que as origens da crise climática estão na dessacralização da natureza. Como lembra Krenak, ela se agrava quando o homem branco deixa de reconhecê-la como mãe e passa a tratá-la como uma simples despensa, de onde se retira o que se quer para o consumo.

Foto: Embratur
A COP30 será, portanto, mais do que um encontro de líderes e negociadores. Será um palco de narrativas no coração de uma floresta povoada por grupos étnicos diversos, a maioria deles mantendo relações de respeito e convivência harmônica com a natureza. Esses grupos precisam ser ouvidos — e Sônia Guajajara já prometeu a maior participação indígena da história de uma COP — e também visitados.
Para aproximar turistas e comunitários em diálogos in loco, o Coletivo Muda — associação de empresas que buscam um turismo mais responsável e da qual fazemos parte, como Raízes Desenvolvimento Sustentável — criou uma ação-visita em duas ilhas de Belém. A ideia é conectar pontas para gerar reflexões potentes e situadas em territórios onde o turismo já acontece como forma de resistência, com lideranças que buscam ativamente aliar geração de renda, tradição e conservação.
As discussões que surgirão sobre financiamento climático, adaptação e mitigação não podem deixar de lado a capacidade transformadora do turismo quando orientado por princípios regenerativos. Regenerar, na perspectiva de Humberto Maturana, é escolher o que devemos sustentar e o que precisa morrer. Para além das urgentes e fundamentais discussões sobre descarbonização — sobretudo considerando os impactos do transporte aéreo —, é preciso, no contexto de uma COP na Amazônia, debater como o setor do turismo pode ajudar comunidades a permanecer em seus territórios, gerando renda de forma sustentável, valorizando culturas locais e reforçando a conservação.
É verdade que os preparativos ainda enfrentam percalços logísticos, sobretudo em relação à hospedagem — tema sobre o qual falamos diversas vezes este ano. O cronograma das programações oficiais avança com atraso, em parte por questões de infraestrutura que o próprio evento escancara — afinal, sediar uma COP na Amazônia é um desafio que revela a desigualdade de acesso e de investimento em regiões periféricas do sistema global. Ainda assim, há sinais de esperança. O Ministério do Turismo, a ONU Turismo e outras entidades vêm confirmando suas programações, e é nas zonas paralelas — a Green Zone, a Yellow Zone e os side events — que se desenham os espaços mais férteis para inovação e experimentação. São essas vozes que lembram que o turismo não se faz apenas em gabinetes ou conferências, mas no chão da floresta, nas comunidades ribeirinhas, nas feiras, nas cozinhas, nas ruas e nas trilhas que conectam pessoas e ecossistemas.

Foto: Embratur
Ao olhar para a COP30 com o coração voltado à Amazônia, o que está em jogo é mais do que o futuro de um setor econômico. É o convite a repensar o turismo como parte da solução climática — um turismo que, em vez de explorar, regenera; em vez de consumir, compartilha; em vez de apagar, revela. Um turismo em que a natureza não é pano de fundo, mas protagonista. Um turismo que nasce das bases, floresce nas margens e, ao final, devolve à terra mais do que retira dela.
Esse é o turismo que Belém pode mostrar ao mundo. E talvez — só talvez — seja essa a revolução silenciosa de que precisávamos: a de um turismo com alma, enraizado na floresta e guiado por um novo olhar sobre o que significa viajar em tempos de emergência climática.

 
				 
					 
	 
          






 
            