Falar sobre patrimônio e cultura é necessário. Compreender sua importância é um passo fundamental. Mas promover cultura com significado, dignidade, inovação, tecnologia e, sobretudo, com uma abordagem centrada no ser humano, articulada à educação patrimonial e à escuta das populações locais, é o que realmente dá sentido a esse trabalho.
Quando um edifício histórico é restaurado e reocupado, ele deixa de ser apenas um monumento para se tornar um espaço de convivência, de cultura e de memória, fortalecendo o senso de identidade local e impulsionando o turismo . A revitalização de edifícios históricos transforma áreas antes esquecidas em pontos de encontro, convidando moradores e visitantes a permanecer mais tempo, explorar e se conectar com a história da cidade.

Foto: Milena Palladino
Ao longo da trajetória, foram alguns projetos marcantes, mas dois guardam um lugar especial na memória: o restauro do Palacete Tira Chapéu e a restauração dos salões do Jockey Club de São Paulo. Ambos representaram experiências intensas, cheias de desafios técnicos e descobertas simbólicas. Trabalhar com patrimônio é, acima de tudo, aprender a respeitar aqueles que vieram antes de nós. Cada detalhe recuperado, cada camada de tinta revelada, carrega séculos de histórias, escolhas e gestos humanos e, ao abrir novamente suas portas à população, esses edifícios passam a ocupar um papel ativo no cotidiano urbano, fortalecendo a vida cultural da cidade.
Projetar um restauro é, antes de tudo, um exercício de escuta, análise e humildade. Ao lidar com edificações tombadas, reconhecemos que estamos diante de algo maior do que nós: memórias individuais e coletivas impressas em cada parede, pedra e ornamento. O processo começa com uma pesquisa aprofundada, que orienta todas as decisões posteriores. É preciso entender as transformações sofridas ao longo do tempo, adaptações, perdas, novos usos e situá-las nos processos urbanos e sociais que moldaram aquele espaço.

Sobrado dos Toledos, Iguape – SP. Foto: Projete
Depois, o olhar se volta ao objeto arquitetônico: suas características físicas, construtivas, tipológicas e espaciais. Diagnostica-se o estado de conservação, levantam-se danos, realizam-se exames e mapas de patologias. Só então se elabora o projeto de intervenção um documento que deve equilibrar rigor técnico e respeito aos valores históricos e simbólicos do bem. O objetivo é permitir que o edifício recupere sua funcionalidade e relevância social, sendo novamente ocupado e aproveitado pela comunidade, pelos visitantes e pelo turismo cultural.
Ver um edifício restaurado ser reaberto à população é um dos momentos mais emocionantes dessa trajetória. Toda atividade criativa carrega um componente afetivo, mas no caso do restauro, essa emoção se multiplica. Não se trata de materializar algo novo, e sim de resgatar algo que a sociedade deseja preservar e ocupar. Há um vínculo simbólico muito forte entre as pessoas e seus monumentos, à medida que compreendem o valor cultural e o sentido de herança coletiva, passam a se sentir pertencentes àquela história.
Entregar um edifício restaurado é, portanto, mais do que cumprir uma etapa técnica. É responder às expectativas da comunidade, reconhecer memórias, e interpretar com responsabilidade os atributos que realmente conferem valor a esses espaços. É um ato de escuta, respeito e devolução, mas também de dinamização urbana, transformando áreas antes degradadas em destinos de convívio, lazer e turismo.

Paço Municipal de Iguape São – SP. Foto: Projete
Nesse ofício, equilibrar o que foi com o que ainda pode ser é o maior desafio. Restauradores não são guardiões da eternidade, assim como os médicos, tentamos prolongar a vida. Consolidar quando possível, restaurar quando necessário, cuidar sempre. Restaurar é interpretar edifícios e, ao mesmo tempo, compreender as necessidades da população. É preservar o que nos trouxe até aqui, sem congelar os espaços no tempo, sem privá-los de novos significados e usos.
A arquitetura, nesse contexto, atua como mediadora entre o passado e o futuro, uma prática que exige sensibilidade histórica e responsabilidade contemporânea. Cada projeto é uma tradução entre tempos: o ontem que nos formou, o hoje que se ocupa e o amanhã que precisamos construir.
Não basta apenas acreditar na filosofia da preservação; é preciso estar disposto a aprender o tempo todo, com os livros, com os mestres de obras, com os artesãos, com aqueles que, com suas vivências, ajudam a dar sentido ao nosso trabalho. Porque, no fim, restaurar é um gesto que devolve à cidade espaços vivos, ocupados e significativos, incentivando moradores e visitantes a explorar, permanecer e se conectar com a história.




