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A pandemia do Covid-19 trouxe grandes restrições à sociedade como um todo, exigindo distanciamento não apenas entre as pessoas, mas também de lugares que nos aproximam da natureza. O desejo por se reconectar com o verde, assim como a possibilidade de realizar atividades recreativas e esportivas tanto para adultos quanto para crianças, tem se refletido na valorização por áreas naturais e abertas. A possibilidade de se manter um distanciamento seguro entre as pessoas faz com que esse tipo de lugar seja perfeito para esses tempos de pandemia.

Há uma expectativa do setor de turismo de que a demanda reprimida nesses meses de isolamento social seja absorvida em grande parte pelo ecoturismo, se refletindo numa procura maior por destinos e atrativos verdes.

Potencial das áreas naturais no Brasil

O Brasil possui uma grande riqueza quanto se trata de áreas naturais. Boa parte dos destinos de ecoturismo no Brasil estão concentrados dentro de unidades de conservação, espaços protegidos por lei, que estão inseridos dentro do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC. As UCs são classificadas de acordo com suas características específicas, sendo as mais comuns inseridas na categoria de proteção integral: os parques nacionais. Em geral, trata-se de grandes reservas naturais de relevância ecológica e beleza cênica e que são abertas à atividades de visitação, educação ambiental e pesquisa científica (BRASIL, 2000).

O grande potencial para o ecoturismo e o turismo de aventura no país se traduz nos números: o Brasil possui mais de 2.400 unidades de conservação nos âmbitos federal, estadual e municipal (CNUC/MMA, 2020). A visitação em parques e áreas naturais está em crescimento no país, conforme aponta dados de monitoramento do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio: em 2019 o país registrou recorde de visitação em UCs federais, ultrapassando a marca de 15 milhões de visitantes nas 137 unidades monitoradas pelo órgão, representando um aumento de 20,4% em relação a 2018. Das 15 unidades mais visitadas naquele ano, 7 correspondem a parques nacionais, com destaque para o Parque Nacional da Tijuca, o Parque Nacional do Iguaçu e o Parque Nacional de Jericoacoara, destinos turísticos já consolidados e estruturados no país. Juntos, os três parques foram responsáveis por aproximadamente 41% da visitação em UCs federais em 2019 (ICMBIO, 2020).

Além de sua importância para a preservação e conscientização ambiental, a visitação em parques nacionais contribui para o desenvolvimento econômico, gerando renda e impulsionando a cadeia produtiva do turismo nas regiões onde estão localizadas as unidades. Em 2017, quando a visitação em UCs federais alcançou a marca de 10,7 milhões de visitas, os impactos econômicos foram expressivos: gasto de R$ 2 bilhões nos municípios de acesso às unidades, gerando cerca de 80 mil empregos, R$ 2,2 bilhões em renda, R$ 3,1 bilhões em valor agregado ao PIB e R$ 8,6 bilhões em vendas (Souza e Simões, 2018).

Comparação com outros países

De acordo com o Índice de Competitividade Turística, documento elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil lidera o ranking de países com recursos naturais de beleza cênica, perdendo apenas para o México. Apesar disso, a visitação em parques e áreas naturais ainda se mostra aquém dos atributos e recursos naturais e do potencial de atratividade que o país dispõe.

Nos Estados Unidos, cuja posição no ranking é o quinto lugar, os parques nacionais chegam a receber mais de 300 milhões de visitantes por ano. Apenas em 2019, o Serviço de Parques Nacionais norte-americano registrou 328 milhões de visitantes que gastaram cerca de US$ 21,0 bilhões nas regiões onde os parques estão inseridos, gerando 341 mil empregos, US$ 14,1 bilhões em renda do trabalho e US$ 24,3 bilhões em valor agregado. Vale destacar que apenas 11,79% do território norte-americano é protegido, contra 30% do território brasileiro.

Já no Canadá, que ocupa a décima primeira posição, e possui apenas 9,69% do território protegido por unidades de conservação, a temporada de 2016 e 2017 registrou 24,9 milhões de visitantes, contribuindo em mais de US$ 4 bilhões na economia canadense anualmente, além de gerar mais de 40 mil empregos e US$ 2,5 bilhões em renda do trabalho.

Outros país que merece destaque é a Costa Rica, conhecida como um dos destinos pioneiros do ecoturismo no mundo. Seu território, que corresponde a menos de 1% do território brasileiro, possui 25% de sua área coberta por áreas naturais protegidas. Dados do Instituto Costarricense de Turismo apontam que a visitação em áreas naturais saltou de 500 mil em 1990 para 2,2 milhões em 2018. Apesar de ser conhecida no mundo por seus atributos naturais, está em oitavo lugar no ranking do Fórum Econômico Mundial, ficando seis posições abaixo do Brasil. 

Fortalecimento do setor 

No Brasil, o governo federal tem apostado nas parcerias com o setor privado e organizações da sociedade civil como estratégia de implementação e aprimoramento do uso público em parques nacionais. Alguns dos maiores parques nacionais do país tem o uso público concedido a empresas privadas, como é o caso do Parque Nacional da Tijuca, do Parque Nacional de Iguaçu e do Parque Nacional de Fernando Noronha. Compreender e analisar as melhores formas de governança e monitoramento dessas parcerias é um dos grandes desafios para a gestão do turismo nos parques nacionais.

Para que o segmento se fortaleça de maneira sustentável, contribuindo não apenas para a preservação ambiental, mas sobretudo para o desenvolvimento socioeconômico das localidades, é preciso que haja planejamento e participação de todos os setores envolvidos. Entender as complexidades e particularidades de cada região é essencial para que a visitação traga benefícios para as populações locais. E isso requer incluir as comunidades do entorno das unidades em todo o processo de formulação e implementação das políticas públicas e dos projetos de uso público das unidades. 

Algumas reflexões a respeito do uso público e da visitação em parques naturais no Brasil

    •       O país possui um grande potencial em recursos naturais, mas a visitação a parques e espaços protegidos ainda é incipiente: faltam recursos humanos e financeiros, em muitos locais a estrutura de uso público e visitação é precária, os funcionários em geral não são capacitados para atender aos visitantes;
    •       Faltam dados qualificados a respeito do potencial de visitação dos parques. Investir em dados qualificados a respeito da visitação em parques e áreas naturais é de suma importância para o compreender a demanda e o perfil dos visitantes;
    •       O conselho gestor dos parques constitui-se de ferramenta de suma importância para garantir a participação de comunidades de entorno, cadeia produtiva do turismo e demais setores envolvidos na gestão do uso público do parque. Garantir representatividade é fundamental nesse processo;
    •       As parcerias para a gestão do uso público devem ser bem planejadas, executadas e monitoradas pelos órgãos gestores. No Brasil, há diversos tipos de parcerias possíveis no âmbito do uso público e da visitação em parques naturais: concessão, permissão e autorização para exploração de bens e serviços e a gestão compartilhada.  
    •       Observa-se que as políticas públicas atuais tem dado ênfase às concessões de serviços públicos de visitação em parques naturais. Apesar de se tratar de uma opção válida para a estruturação da visitação, principalmente quando se trata de destinos que já possuem um fluxo alto de turistas e que necessitam de grandes investimentos em equipamentos de hospedagem e alimentação, é preciso que se considere também as demais alternativas de parcerias que possam beneficiar sobretudo as comunidades locais.
    •       Os parques naturais constituem-se de importante espaço de (re)aproximação da sociedade com a natureza. A visitação aos parques pode e deve ter um papel de extrema importância na conscientização ambiental não apenas dos visitantes, mas também da cadeia produtiva do turismo como um todo. 

 

Pandemia e reabertura dos parques nacionais

Por conta da pandemia, os parques nacionais federais foram fechados em março de 2020, trazendo um impacto socioeconômico considerável para as cidades de acesso às unidades. A partir de junho, o ICMBIO anunciou a reabertura gradual de alguns parques nacionais, a partir de protocolos estabelecidos para cada uma das unidades. Até agosto de 2020 foram reabertos: Parque Nacional Aparados da Serra e Serra Geral, ambos no Rio Grande do Sul, o Parque Nacional de Brasília, no Distrito Federal, e o Parque Nacional de Iguaçu, no Paraná. Entre as restrições impostas para a reabertura, estão o limite máximo de pessoas por dia e por hora, o número reduzido de horas de funcionamento, a sanitização constante das áreas, a necessidade de uso de máscaras, a disponibilização de álcool 70% para os visitantes e funcionários e a venda online de ingressos. Alguns atrativos continuam fechados ao público, a exemplo de algumas piscinas naturais e trilhas específicas. 

 

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Paula Fernanda do Valle

É paulistana, jogadora de futebol e mãe da Maria Flor. Adora fugir para o meio do mato de vez em quando. É apaixonada por projetos que pensem o desenvolvimento local como estratégia para melhorar a vida das pessoas. Adora fazer pesquisa, dessas que trazem informação útil para pensar políticas públicas e estratégias de transformação. Além disso, é turismóloga formada pela USP, especialista em Meio Ambiente e Sociedade e mestre em Mudança Social e Participação Política pela EACH/USP. Sobre o Turismo Spot - "é uma belíssima ferramenta de informação que permite que assuntos mais técnicos sejam abordados de forma leve e fluida, aumentando o seu alcance. Em tempos de excesso de informação, é uma ótima pedida para se atualizar no mundo do turismo. É uma honra participar deste projeto com mulheres tão inspiradoras e comprometidas com o turismo no país"