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Fotomicrografia 1. Veja os créditos ao final do texto

Primeiramente, deixem-me esclarecer o advérbio no título: “quase”. 

Minha formação é nas ciências biológicas, particularmente, na microscopia, no mundo pequeno. Talvez por isso, eu seja atraída pelas coisas discretas, delicadas e gentis. Substâncias que procuro como forma de buscar entender a vida e meu modo de me relacionar com ela.

 

Invisível é aquilo que não conseguimos ver com nossos olhos, pois somos limitados a cerca de 0,2mm de distância entre dois objetos para distingui-los individualmente. No entanto, com o auxílio de lentes podemos aumentar nossa capacidade de resolução (ou eficiência de separação). Assim, um microscópio óptico nos permite ver algo entre mil e 1,5 mil vezes menor do que somos capazes de enxergar a olho nu. Isso é tão fantástico que conseguimos analisar células e microrganismos, por exemplo. Assim, é possível desenvolver tecnologias em diversas áreas que nos permitem salvar vidas, curar doenças, nos aprofundar em outras ciências, conhecer mais.

 

Em 1933, o alemão Ernst Ruska (Nobel em física em 1986) concebeu o microscópio eletrônico, quer dizer, que utilizava feixes de elétrons no lugar da luz para iluminar suas amostras. Com isso, foi possível ampliar nossa capacidade de visualização para 200 mil vezes quando observamos material biológico e em um milhão de vezes para outros tipos de materiais, com resolução garantida.

 

Está claro, creio, o “quase” invisível. Ou seja, não é porque eu não o vejo, que algo não exista. Pode estar, apenas ou ainda, oculto.

Dirão vocês: e o que isso tudo tem a ver com o turismo, foco das discussões que se fazem aqui no Spot

 

Não é necessário mostrar que o turismo se faz nas relações interpessoais e das pessoas com o ambiente que as cerca, seja ele natural ou cultural. Na vida sempre estamos interagindo, mesmo que não percebamos. O meio “externo” nos afeta constantemente. Se está muito quente ou muito frio, nosso corpo buscará o equilíbrio da temperatura e se for incapaz de corrigir sozinho, de algum modo nos avisará, e tomaremos as precauções necessárias. Do mesmo modo, os “humores” das pessoas que nos cercam terminam por influenciar nossos sentimentos e emoções e podem nos causar alegria ou desconforto, levando-nos a reagir de uma ou de outra maneira.

Então, se não prestarmos atenção ao dentro e ao fora de nós, muito provavelmente nos exporemos a falsas interpretações da realidade em que estamos imersos, e poderemos tomar decisões não muito acertadas.

 

Vivemos tempos acelerados que não nos favorecem pausas para observar (nem digo examinar) com calma o que estamos vivenciando. Todos estão acelerados. As pessoas e seus sentimentos passam por nós e nós por elas. Não percebemos o interior nem o exterior – nosso ou delas. Então, como iremos interagir? Como atenderemos ou entenderemos o turista, aquele que nos visita? Se não prestarmos atenção aos pequenos sinais da vida, como perceberemos as necessidades do outro? Quando trabalhamos com o turismo, estamos sempre em busca da hospitalidade perfeita, da qualidade dos serviços que “encanta o cliente”. Mas, e a pessoa, em sua completude e complexidade, como fica nessa história?

 

Dia desses, reli o Discurso de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) quando concorreu – e ganhou – o prêmio da academia de Dijon (1750) sobre a questão do contributo das ciências e das artes para purificar os costumes. A resposta, Rousseau deixa com o leitor. 

Os desafios e preocupações eram outros, no século XVIII? Vale, aqui, trazer alguns excertos.

 

Em todos os tempos, haverá homens feitos para serem subjugados pelas opiniões do seu século, do seu país e da sua sociedade.

[…]

Ninguém mais ousa parecer aquilo que é; e, nesse constrangimento perpétuo, os homens que formam esse rebanho chamado sociedade colocados nas mesmas circunstâncias farão todos as mesmas coisas, se motivos mais poderosos não os desviarem (Rousseau, 1750).

 

Copiando Rousseau, deixo com vocês a análise e a avaliação; a reflexão. Contudo, quero relacionar esses pensamentos com o título desta conversa e, claro, com o turismo e nossos tempos.

 

Do mesmo modo que o filósofo belga, outros, desde a Antiguidade levantam as mesmas questões: as necessidades do espírito humano, o poder do grupo social na formação dos hábitos e crenças, o aparente esquecimento das necessidades individuais.

 

É fato que parece estarmos vivendo em modo “velocidade 2”. O trem da vida não é mais uma Maria Fumaça que faz seu percurso dando tempo ao passageiro para admirar a paisagem. Pesquisas apontam para o aumento das doenças relacionadas ao esgotamento físico e mental; para a necessidade (urgente!) de reaprendermos a dosar trabalho e lazer. Turismo em alta! Mas em que “velocidade”? com que qualidade real? Com tempo para observar e interagir? Só enxergaremos algo se ele estiver no nosso campo de visão, em primeiro lugar. Em segundo, se houver distância e ângulo adequados. Só assim os elementos serão distinguidos,  só assim nosso cérebro os reconhecerá e lhes dará nomes. Só assim estaremos, de fato, presentes na cena.

 

O espírito tem suas necessidades, assim como o corpo (Rousseau, 1750).

 

O mundo físico aguarda que o vejamos e dele desfrutemos. O mundo não material, o da estética, do belo, da ética e dos sentimentos e emoções, é o outro lado da realidade em que estamos imersos, mas que nem sempre é facilmente percebido. Real, sim, mas intocável e, no entanto, essencial para que sejamos inteiros.

 

Quase invisível, um mundo pequeno, um mundo microscópico. Um universo oculto. 

 

As imagens com que abri essa reflexão e com que a concluo, foram retiradas da página da Nikon, empresa que segundo sua própria descrição, em tradução livre, é chave nas soluções de tecnologia em uma sociedade global onde humanos e máquinas cocriam de forma integrada. Ali se criam e se comercializam instrumentos que aumentam nosso limite de resolução – microscópios, por exemplo; e outros equipamentos ópticos como máquinas fotográficas. 

 

Há 50 anos pesquisadores e fotógrafos podem concorrer ao Nikon Small World Competition. Basta terem acesso a um microscópio. Sugiro navegarem pela página. Será uma viagem por um universo repleto de curiosidades e maravilhas. Um mergulho em águas desconhecidas que, espero, faça vocês pararem um pouquinho para pensar no mundo escondido que “o outro” habita. Um mundo cheio de vida. Um mundo à espera da nossa descoberta, da nossa disposição em conhecer, investigar e por que, não, cocriar? O turismo nos permite essa aproximação do e com o outro. Podemos ser como afirmou Rousseau, subjugados pelas opiniões do [nosso] século, do [nosso] país e da [nossa] sociedade, ou podemos optar por buscar motivos mais poderosos [que nos]  desviem da mesmice. Podemos, se assim o quisermos, cocriar a realidade.

 

As interações entre os humanos e nossa com os ambientes (natural, social, cultural, econômico) muitas vezes são sutis. É preciso cuidado, perseverança e disposição para olhar e ver; para descobrir; para tirar o que cobre; para discernir e quem sabe, compreender.

 

Nem tudo é o que parece ser. Há mundos ocultos, sim, mas não inacessíveis nem, muito menos, ausentes. Basta querermos mudar nosso jeito de olhar.

 

Fotomicrografia 2. Veja os créditos ao final do texto

 

 

Referências

Nikon. 2024. Photomicrography Competition.

https://www.nikonsmallworld.com/galleries/2024-photomicrography-competition

Rousseau, Jean-Jacques. 1750. Discurso que conquistou o prêmio da academia de Dijon no ano de 1750 sobre esta questão: se o restabelecimento das ciências e das artes contribui para purificar os costumes. 

http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000053.pdf 

 

Créditos das imagens

Fotomicrografia 1 – Ink dot on Japanese washi paper (Pingo de tinta sobre papel japonês – tradução livre)

Autor: Thomas Neumann, Alemanha

Técnica: campo claro

Aumento: 20X 

 

Fotomicrografia 2 – Beach sand (Areia de praia – tradução livre)

Autor: Zhang Chao, China

Técnica: luz refletida

Aumento: 10X

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Iara Brasileiro

Iara Lucia Gomes Brasileiro Doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP). Na Universidade de Brasília (UnB), foi diretora do Instituto de Ciências Biológicas; idealizou, implantou e coordenou o Bacharelado em Turismo; integrou o corpo docente do Mestrado Profissional em Turismo (CET) e dos programas de Mestrado e Doutorado do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS). Pesquisadora do Laboratório de Estudos em Turismo e Sustentabilidade (LETS)/CDS. Sobre o Turismo Spot - Um excelente lugar para discutir e aprender sobre o turismo. Leve e descomplicado, facilmente disponível e acessível. Um passeio, uma visita, uma viagem pelos caminhos das "políticas públicas, governança, mercado, competitividade, inovação, educação" e o que mais pudermos pensar para o entendimento e o desenvolvimento do setor na sua complexidade. Um privilégio ser convidada a contribuir para o Turismo Spot!