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Belém no centro da maior agenda de sustentabilidade do Planeta

O encontro em Belém representou, tecnicamente, o início da Presidência Brasileira na 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC, assinada no Rio de Janeiro em 1992), a COP30.  Trata-se da maior agenda de sustentabilidade do Planeta, e será presidida pelo Brasil até novembro de 2026. Nas COPs acontecem as mais estratégicas negociações políticas, decisões e direcionamento de investimentos com impacto em nosso futuro na Terra. Além de ser um evento estrategicamente influente na construção da reputação de países e, naturalmente, de marcas-países, pode ter um impacto econômico da ordem de US$ 1 bilhão para quem o recebe.

O que a capital paraense entregou — e o que revelou ao Brasil

Sempre vale lembrar que não foi Brasília quem escolheu Belém para inaugurar o mandato brasileiro na COP30. Foi Belém quem trouxe ao Brasil a COP30. Foi a capital paraense que, em 2022, quando Brasília não demonstrava interesse na agenda do clima, já articulava o evento junto às Nações Unidas. E Belém cumpriu seu compromisso: durante duas semanas, a cidade transformou-se em uma escola aberta[1] e, com ela, todo o Brasil aprendeu sobre sustentabilidade e clima, sua importância, seus problemas e os desafios da governança climática. Durante duas semanas, os paraenses mostraram ao Brasil e ao mundo a realidade de uma cidade quente e úmida, repleta de desigualdades,  DE história, de cultura, de gastronomia, e, sobretudo, de gente que gosta de gente. Eles abraçaram os visitantes, debateram, perguntaram, apoiaram, cantaram e dançaram, isso tudo enquanto também trabalhavam muito.

[1] Nas palavras do Prof. Elimar Nascimento, “Belém se transformou numa escola aberta”. Disponível em  Outras Impressões sobre a COP 30. Acesso em 06 Dez 2025.

Foto: ONU Turismo

A Belém poderia faltar experiência em sediar eventos internacionais da magnitude de uma COP. Mas não faltou interesse, diagnósticos e estudos de riscos e oportunidades.  Os milhares de participantes da COP são, na essência, profissionais globalizados e o evento são dias intensos de trabalho sob forte pressão por resultados. Diferentemente de viagens a eventos de lazer, quem viaja a trabalho precisa de previsibilidade e de serviços profissionalizados, além de preços coerentes com orçamentos pré-definidos em conselhos ou parlamentos. Instituições e empresas organizam as viagens de seus representantes com larga antecedência e exigem certas condições nos serviços contratados, como internet de boa qualidade, conforto térmico, segurança e facilidade de acesso, cama e banho muito confortáveis, minimamente. Os problemas operacionais da Conferência, os quais eram conhecidos e evitáveis, além de terem soluções, sobretudo em um país que tem experiência em grandes eventos e contou com dois anos de preparo, e em uma cidade de gente hospitaleira como Belém, atrapalharam muito mais do que deveriam. Ao Governo Federal, a algumas cidades e a muitas empresas brasileiras não falta experiência em sediar grandes eventos. Teria faltado governança, colaboração, decisão ou ação? Não sei a resposta precisa, mas sei que decisão política, discussões organizadas, parcerias, treinamentos, apoio aos locais e ações antecipadas poderiam ter amenizado os desafios operacionais, sobretudo em relação à hospedagem.

Quando a improvisação pesa: oportunidades perdidas

Durante a COP30, em Belém, escutei de uma empreendedora paraense que comprou alguns imóveis para locação de curta temporada: “fiz um investimento grande, mas não aluguei nada.” Fui olhar a descrição, as fotos e o preço anunciados em uma plataforma online: não teria a menor possibilidade de um profissional estrangeiro locar um espaço com aqueles ausentes atributos e parcas informações.Treinamentos básicos em hospitalidade resolveriam. Eu disse a ela, em uma conversa rápida em um evento de negócios, sob uma mangueira à beira rio: “tem que ter internet, lençol e toalha de banho, melhorar as fotos, a descrição e equiparar o preço à lógica de mercado”, ao que ela respondeu: “por que ninguém me falou isso antes?”. Ouvi de um taxista: “tivemos um único treinamento, durou uma hora e foi presencial. Quem não podia ir, perdeu”. E eu também ouvi de quase todos os motoristas de táxis ou de carros de aplicativos, boa parte mulheres, com uma alegria contagiante: “Você está na COP? Está gostando de Belém? Esta cidade é linda.”

O legado que fica: marca e reputação, infraestrutura, cultura, serviços e autoestima coletiva

Perdidas muitas oportunidades de geração de renda aos locais, de ter recebido um número muito maior de visitantes, sobretudo estrangeiros, e de ter passado sem críticas desnecessárias, Belém tocou o barco. O legado à cidade é diverso, e vai além de inúmeras e vibrantes iniciativas inauguradas na cidade, como o Museu das Amazônias, os parques revitalizados e espaços históricos restaurados, aeroporto ampliado, rotas internacionais popularizadas, hotéis, bares e restaurantes novos, turismo comunitário aprimorado, negócios de bioeconomia aflorados. O legado inclui gente feliz e confiante na própria capacidade de receber e encantar gente do mundo todo: Belém ocupou o centro do mundo durante a COP30. E não deve parar por aí.

Turismo nas negociações e soluções climáticas globais: Brasil presente com gigantes ausências

Em relação ao turismo brasileiro, duas perspectivas se complementam. Em primeiro lugar, a técnico-científica, que subsidiou tanto negociações e discussões centrais na Conferência, durante dois dias oficiais, quanto nos diversos espaços espalhados pela cidade-escola. Sob os temas prioritários definidos pela ONU Turismo e pelo Ministério do Turismo – governança, implementação da agenda climática, colaboração e finanças – destacaram-se, ainda que timidamente, iniciativas relacionadas às práticas regenerativas. Além de conhecermos os indicativos preliminares sobre as emissões do turismo brasileiro, o Ministério do Turismo construiu e abriu espaços, e experiências brasileiras de turismo e regeneração de espaços naturais e culturais ilustraram excelentes discussões, entre eles casos como Voz dos Oceanos, Cristalino Lodge, O Canto, Biofábrica de Corais, Diaspora.Black, Coletivo Muda, Cristo Redentor, e destinos como Mato Grosso do Sul. Mas temas necessariamente centrais no contexto de uma COP, como a transição do turismo brasileiro rumo à economia de baixo carbono, seu custo, seu financiamento, a divisão dos recursos, sua governança, metas, urgência e colaboração entre ciência e prática não aconteceram, em parte pela ausência desconcertante da produção científica brasileira. A Universidade de Brasília, a UFPA e o IFPA se fizeram presentes, sob uma minoria inexplicável para um país que conta com uma das maiores redes de instituições públicas e privadas de ensino e pesquisa do mundo. As associações privadas Braztoa, BLTA, Sindepat e Resorts Brasil participaram, com um destaque à presença estratégica da Braztoa.

Foto: ONU Turismo

Enquanto estados e municípios, entre eles os de maior vulnerabilidade climática no país, sequer se fizeram presentes, os paraenses e os belenenses ocuparam os espaços. Entre eles, Prazeres Quaresma, Dona Nena e Saulo Jennings, os três da pauta de gastronomia e turismo, representaram brilhantemente empreendedores e empresários que já sentem os impactos do clima em seus negócios, e buscam soluções em movimentos quase diários.

De forma geral, ainda que interessantes, as discussões, diversas e pulverizadas, pouco acrescentaram ou aprofundaram o debate qualificado iniciado em Baku (COP29) em relação aos rumos do turismo, no país e nos seus encaminhamentos globais sob a Presidência Brasileira da COP30.

Foto: ONU Turismo

Liderança, reputação e legado: espaço não ocupado

Ainda em relação ao turismo brasileiro, sua reputação e legado, a oportunidade de o País se promover como articulador, negociador e provedor de soluções em turismo e clima foi desperdiçada. A sociedade civil ocupou espaços, liderou iniciativas e trouxe soluções. No entanto, o direcionamento das projeções internacionais que se buscam carecem de centralidade estratégica e de investimento para efetividade coletiva.  Exceto pela grafia em dois ou três banners laterais em um ou outro espaço, a Marca Brasil (em sentido amplo) não se fez presente, não se projetou como articuladora das discussões mais estratégicas do Planeta, tampouco favoreceu a geração ou inserção de novos negócios no celeiro global de soluções. Não fez e não criou oportunidades para outros fazerem. Enquanto outros setores abraçaram a pauta e brilharam ao unir ciência, promoção de soluções, negócios e marcas, como a Embrapa na AgriZone, a Casa Voz dos Oceanos com seus parceiros na pauta oceânica e os indígenas, que até lançamento internacional de documentário com João Moreira Salles fizeram, a Marca Brasil sequer ofereceu aos convidados estrangeiros, negociadores e debatedores nos dias oficiais do turismo, uma carta de boas-vindas ou um suco de taperebá na despedida.

Foto: ONU Turismo

O que o Brasil pode fazer até a COP31 — e o que Belém já ensinou

O Turismo brasileiro ainda não cravou, mas tem tempo para deixar sua marca na discussão global do clima, sobretudo nos encaminhamentos de soluções para as ações climáticas. Brasília tem mais onze meses na Presidência da Governança Global do Clima. Espero não deixarmos à COP31, à Turquia e à Austrália, uma missão que já tem registrado na História o Azerbaijão como precursor, e que podemos cumprir com excelência em 2026. A história e o futuro da Marca Brasil merecem, nossos cientistas, gestores, líderes e empreendedores demonstraram, na COP30, que estão prontos para contribuir. Podemos aprender com Belém que, até aqui, está muito maior do que o Brasil. Obrigada, Belém.

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Jaqueline Gil

Entusiasta das viagens como um meio de as pessoas conhecerem culturas e naturezas e, assim, contribuírem para respeitar e conservar ambos. Curiosa e inquieta desde criança, saiu do Brasil aos 15 anos para estudar na Austrália. Decidiu lá se tornar profissional do turismo, e, desde então, nunca mais parou de estudar e trabalhar com ele. É doutoranda no Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (CDS-UnB), onde pesquisa turismo, mudanças climáticas e regeneração. Pesquisadora no Laboratório de Estudos em Turismo e Sustentabilidade (LETS-UnB), Membro do Conselho Editorial de Líderes Inspiradores do Journal of Tourism Futures, Conselheira da New Zealand Trade and Enterprise para América Latina, e Jurada em Prêmios de Marketing, Sustentabilidade e Turismo Regenerativo, no Brasil e no exterior. Foi Diretora de Marketing Internacional, Negócios e Sustentabilidade da Embratur. https://www.linkedin.com/in/jaquelinegil/ Sobre o Turismo Spot - "O portal Turismo Spot já é, e só vai crescer como referência técnica para profissionais do turismo, da comunicação e de áreas afins. A curadoria do seu conteúdo é excepcional."