Conectando preservação, desenvolvimento e transformação

Foto: Ocean Eyes Experience
Navegar é preservar: quando o mar vira casa e propósito
Somos Tatiana Zanardi e Alcides Falanghe, e em 2011 decidimos transformar o mar em nosso lar a bordo do Ocean Eyes, um catamarã à vela de 43 pés, sul-africano, construído no ano 2000. Foi, sem dúvida, um dos maiores desafios de nossas vidas, que nos trouxe não apenas aprendizado, mas também a vivência necessária para criarmos roteiros náuticos imersivos, conectando pessoas à natureza, às comunidades costeiras e à imensidão regeneradora dos oceanos.
Atuamos no mercado de yacht charter desde 2014, e recebemos hóspedes a bordo para uma semana embarcada nos lugares mais paradisíacos do mundo, no esquema all inclusive personalizado, que pode contemplar desde mergulho autônomo, snorkeling guiado, caminhadas, trilhas até a contemplação renovadora do por-do-sol no mar.
O que é turismo náutico de impacto positivo?
Turistas atualmente buscam experiências imersivas, transformadoras e alinhadas a valores como sustentabilidade e respeito ao ecossistema que estão visitando. E é exatamente esse tipo de experiência que o turismo náutico de impacto positivo oferece. Mais do que uma opção diferenciada para lazer e férias, ele se torna uma ferramenta capaz de preservar ecossistemas marinhos, gerar renda para as comunidades locais e proporcionar uma profunda mudança na maneira como os turistas enxergam o mundo e suas próprias responsabilidades dentro dele.
Sou responsável pela gastronomia a bordo, e este é um exemplo bem prático. Sempre explico para nossos hóspedes que não servimos moqueca de cação porque cação é tubarão, e além de ser essencial para o ecossistema marinho por ser topo de cadeia, também tem em seu organismo alto nível de metais pesados pelo processo de bioacumulação. Quando possível, até mergulhamos com tubarões e mostramos que não são as feras marinhas do imaginário de quem já assistiu aos filmes. Depois desta vivência, muitas pessoas nos relataram que nunca mais comeram cação, e ainda criticaram o cardápio de restaurantes que serviam.
Em busca de novos destinos e novas experiências, já mapeamos e desenvolvemos roteiros náuticos em diversos locais no Brasil, principalmente na região Nordeste, e no mundo, como Ilhas Virgens Britânicas, Belize, Polinésia Francesa entre outros. Como especialistas em turismo náutico criamos roteiros que maximizem o impacto positivo e minimizem os danos, tanto para o ecossistema marinho como para as comunidades. A partir de um mapeamento detalhado da infraestrutura náutica existente, das riquezas do ecossistema, das ofertas de serviços locais e das atividades que podem ser realizadas com segurança e consciência, é possível construir rotas que beneficiam a todos os envolvidos.

Foto: Ocean Eyes Experience
Por que investir no turismo náutico de impacto positivo?
A principal vantagem desse modelo de turismo é sua capacidade de unir três pilares essenciais: preservação ambiental, desenvolvimento social e transformação pessoal. Enquanto o turismo tradicional muitas vezes explora os destinos de maneira predatória, o turismo náutico de impacto positivo adota uma abordagem que visa deixar cada local melhor do que foi encontrado.
Primeiro, ele é eficaz na proteção dos ecossistemas marinhos. Quando bem planejado, o turismo náutico considera as fragilidades do ambiente natural. As rotas são elaboradas respeitando áreas sensíveis, como recifes de coral e habitats de espécies ameaçadas, e práticas sustentáveis, como a gestão de resíduos e uso de recursos são exigidas a bordo das embarcações. Os turistas, por sua vez, recebem informações sobre a importância de sua conduta. Atividades como mergulho e observação da vida marinha são feitas de forma responsável, com o objetivo de educar e conectar as pessoas à biodiversidade local, ao invés de impactá-la negativamente.

Foto: Ocean Eyes Experience
Em segundo lugar, o turismo náutico de impacto positivo favorece as comunidades costeiras. Ao planejar rotas, uma das prioridades é incluir e valorizar os serviços fornecidos por moradores da região. Atividades locais, produtos artesanais e gastronomia típica são exemplos de como o turismo pode fortalecer a economia regional. Além do benefício imediato, isso também contribui para o empoderamento das comunidades, incentivando a autonomia e a preservação dos modos de vida tradicionais. No nosso caso, sempre preferimos comprar o pescado dos pescadores locais para respeitar as regras locais e contribuir para a geração de renda.
Por fim, essa modalidade de turismo proporciona transformação para os viajantes. Diferente de uma experiência puramente recreativa, o contato com a vida a bordo, a interação com comunidades locais e a imersão em atividades regenerativas, como limpeza de praias ou plantio de corais, cria um impacto profundo no turista. Ele deixa de ser apenas um espectador e assume o papel de participante ativo na preservação do local. O turista não só leva lembranças de lugares deslumbrantes, mas uma consciência renovada sobre a importância de suas escolhas e ações no dia a dia.

Foto: Ocean Eyes Experience
Como criar um turismo náutico sustentável?
Para que esse tipo de turismo funcione, é necessário adotar uma metodologia que avalie e aproveite ao máximo as características únicas de cada destino. Nossa abordagem envolve quatro etapas essenciais:
1. Avaliação da infraestrutura náutica:
Antes de qualquer coisa, é preciso garantir que o local possui as condições básicas para receber embarcações (marinas, ancoradouros, suprimentos, etc). Além disso, é essencial investir na capacitação para que as estruturas existentes sejam utilizadas de maneira sustentável e com segurança.
2. Mapeamento das belezas naturais:
Cada destino tem suas próprias maravilhas. Podem ser águas cristalinas, recifes de coral, parques marinhos, áreas de manguezais ou formações rochosas únicas. O objetivo é criar roteiros que valorizem esses pontos e promovam atividades que conectem as pessoas à natureza, sem prejudicá-la.
3. Colaboração com as comunidades locais:
A inclusão das populações costeiras é indispensável para o sucesso do turismo sustentável. Desde a utilização de insumos locais nos barcos (como pescados e hortaliças) até a contratação de serviços de guias e artesãos, o turismo náutico regenerativo transforma a população da região em protagonistas.
4. Criação de experiências transformadoras:
Para que o turista realmente se sinta conectado ao destino, ele precisa participar de atividades significativas. Visitas guiadas com pescadores, mergulhos guiados com tubarões e até mutirões de limpeza criam memórias inesquecíveis que vão muito além das belezas visuais. Elas despertam consciência.
Os benefícios a longo prazo
Os benefícios do turismo náutico sustentável vão além dos impactos imediatos. A longo prazo, ele promove um ecossistema econômico e ambiental mais resiliente. As comunidades desenvolvem um modelo de subsistência sustentável, baseado no respeito ao ambiente ao seu redor. Os turistas, por sua vez, tornam-se mais atentos às suas escolhas e iniciativas, multiplicando o impacto positivo ao longo de suas vidas.
A ideia de que a atividade turística pode se transformar em uma ferramenta de proteção ambiental e de equidade social desafia as práticas insustentáveis que, durante muito tempo, dominaram o setor. Estamos em um momento em que o turismo precisa ir além do entretenimento. Ele deve ser usado como uma plataforma para criar novas relações entre as pessoas, culturas e ecossistemas que compõem nosso planeta.
O turismo náutico de impacto positivo prova que é possível oferecer experiências de engajamento, gerando benefícios reais para comunidades e ecossistemas, e deixando um legado transformador em cada lugar visitado. Quando navegamos em direção a destinos mais conscientes e responsáveis, todos saem ganhando.




