A imagem do Brasil importa
Samba, futebol e carnaval. Ao ouvir estas palavras, nesta ordem, já sentimos um certo calafrio de quem se sabe aprisionado em estereótipos. Precisamos encarar que, mesmo pesquisas recentes — como a da consultoria internacional Penta, realizada por solicitação da Embratur em 2023 — indicam que o Brasil segue descrito por estigmas. O retrato simplificado que projetamos ao mundo é de um país praiano, alegre, natural, festivo — mas também distante, difícil, gigante, desigual e fetichizado.
Um relevante estudo da WPP-BAV Global (2024), realizado com 87 países, reforça esse diagnóstico ao apontar percepções mistas sobre o Brasil. A pesquisa destaca atributos positivos, negativos e alguns que são ambíguos — por isso carecem de maior esforço de interpretação. Apareceu com força o Brasil como um lugar de “aventura”. Mas, o que nos chamou atenção desde o dia que recebemos os dados foram as palavras “fun” e “sexy”. Embora essas ideias possam inspirar, de alguma forma, as sonhadas férias tropicais, elas podem ser prejudiciais em outros contextos: nas relações comerciais, em eventos de trabalho, na atração de talentos e, de maneira preocupante, nas condutas direcionadas às nossas mulheres. Uma imagem pública marcada apenas pelo entretenimento pode esvaziar nossa credibilidade, assim como perpetuar desigualdades.
Place branding e identidade nacional: o turismo como força estratégica
Na construção de uma marca-país robusta e multidimensional, o autor Simon Anholt defende que o mais importante não é aquilo que você diz sobre você mesmo. Mas, sim, o que você oferece ao mundo. Essa ideia nos faz mudar o olhar da comunicação pura e simples para as entregas efetivas que uma Nação oferece.
Tal compreensão é especialmente potente em tempos de uma incontornável reconstrução democrática, de uma gritante emergência climática e de redes globais hiperconectadas. Não podemos nos acomodar em uma imagem estagnada como única narrativa possível. Precisamos, como brasileiros múltiplos e diversos, assumir a rédea dessas narrativas, aliar conhecimentos e identificar quais são as imagens autênticas (que usamos propositadamente no plural) que não estejam tão distantes do que somos (o que seria irreal), nem tão longe daquilo que queremos ser (o que seria apenas nostalgia).
Publicado em março de 2025 como uma iniciativa especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS) por ocasião da COP30 em Belém — marcada para novembro deste ano — o relatório “O Brasil que o Brasil quer ser” é resultado do esforço colaborativo de especialistas brasileiros em marca, imagem e reputação. O documento propõe respostas a uma provocação central: como queremos ser percebidos no mundo e por nós mesmos? Parte do princípio de que reputação não se inventa em um gabinete em Brasília, ou em um escritório publicitário em uma grande capital. De fato, ela se constrói — e que essa construção deve ser orientada por valores, por ações concretas e pela escuta ativa de quem aponta caminhos para a sociedade que desejamos nos tornar. É, antes de tudo, o que deveria anteceder e fundamentar qualquer ação de posicionamento de um país: um ancoramento estratégico para um verdadeiro place branding.
O Brasil que o Brasil quer ser
A primeira parte do estudo apresenta as visões dos estrangeiros sobre o Brasil. Nosso país é pintado como um “amigo de fim de semana, mas não para as segundas-feiras”, ou seja, encantador, mas não confiável para negócios sérios. Apesar de atributos predominantemente positivos, já que o Brasil é, de fato, um país alegre, acolhedor e divertido, falta na imagem percebida lá fora, credibilidade em áreas como inovação, sustentabilidade, direitos humanos e ambiente de negócios.
Em seguida, a segunda parte do relatório propõe dois vetores de imagem como guias para um novo posicionamento do Brasil no mundo ao analisar como os brasileiros enxergam o próprio país: o Brasil como Potência Socioambiental e o Brasil como Ator-chave na construção de diálogos internacionais. Ou seja, um país que se apresenta como protagonista climático; atualizado e inovador; com identidade; influente e respeitado internacionalmente. São linhas transversais e que devem permear as respostas que damos coletivamente nas políticas públicas, decisões privadas, estratégias territoriais e narrativas institucionais.
Surge ainda, no olhar dos brasileiros, a imagem da “promessa”, com uma fricção entre as ideias de esperança e frustração. Revela-se uma certa fadiga com a ideia de ser o “país do futuro”. Há uma esperança que não se realiza, mas não se desfaz. Como brasileiros, vivemos uma constante tensão entre orgulho e autocrítica. Neste quesito, a maioria dos brasileiros reconhece os grandes problemas do país, como a desigualdade, racismo estrutural, degradação do meio ambiente, instabilidade democrática e violência.
Muitos destes problemas, sejamos sinceros, não estão nas mãos daqueles que atuam no Turismo. Mas o Turismo pode — e deve — aportar soluções a estas questões, apresentando o que o país tem de melhor (e de mais desafiador) a compartilhar. Dessa forma, o estudo defende que a gente rompa com o “complexo de vira-lata”, valorizando, promovendo e investindo em boas iniciativas e inovações que o Brasil já possui. Isso deságua na terceira parte do relatório, que nos provoca a deslocar a imagem de um país predatório e passivo para uma posição ativa: a de protagonista de soluções em meio à crise civilizatória que enfrentamos e fortalecer a noção de que “somos o país do presente!”
Turismo é soma
O brasileiro Caio Esteves, especialista em place branding, defende que tudo começa por reconhecer o que é autêntico, articular alianças entre marcas e sair para o mundo com esse posicionamento como guia. Autenticidade não significa perfeição — significa coerência. Mas como manter a coerência em um país tão contraditório? Somos o país da Havaiana e seu caminhar descolado, e também uma das nações que mais deixou morrer durante a pandemia por políticas insuficientes, inconsequentes e desarticuladas.
Encarar isso nos fará sair do lugar comum e criar, de fato, um projeto de país com reputação internacional sólida — aquela que se conquista não com promessas, mas com ações que inspiram confiança, cuidado e reconhecimento do que oferecemos ao mundo. Assim, não podemos deixar de fazer a nossa parte. Proteger a dignidade de povos originários, ribeirinhos e quilombolas, garantir acesso universal aos serviços básicos de saneamento, combater o racismo, valorizar nossa cultura e biodiversidade, transitar para a economia verde, reduzir desigualdades são alguns dos caminhos estratégicos para o Brasil se consolidar como essa Liderança Sociobioeconômica-Diplomática almejada.
O turismo soma-se como um dos catalisadores dessa virada. Ele é campo de contato, de trocas, de experiência real, de imaginação, de pertencimento. Mas para exercer esse papel com responsabilidade, é preciso que também ele se reinvente. Que deixe de vender o Brasil como promessa e comece a participar da construção de um país que se reconhece e que se mostra para o mundo não só pelo que é — mas também pelo que decide se tornar.
Saiba mais
Se você se interessou pelo estudo O Brasil que o Brasil quer ser, leia ele na íntegra: https://www.obrasilqueobrasilquerser.com.br/.