Os impactos do coronavírus (Covid-19) no setor de turismo ainda são incalculáveis. Sabe-se, no entanto, que é uma das atividades mais afetadas pelo lockdown mundial. Mas qual questão relacionada ao turismo é central neste contexto de crise? Uma só: as pessoas. O turismo é responsável pela distribuição de renda no planeta. O terceiro setor da economia global é o mais humano, o que mais emprega, segundo dados da Organização Mundial do Turismo – OMT, 2019.
O World Travel Tourism Council – WTTC divulgou um boletim para a imprensa no dia 26 de março com uma série de dados, incluindo possíveis impactos para o setor. Estima-se que mais de 75 milhões de empregos estejam em risco imediato e o potencial de perda do PIB do turismo é de US$ 2.1 trilhões em 2020.
Medidas estão sendo tomadas em todo planeta para mitigar os efeitos do covid-19 na saúde pública e na economia. Os anúncios de investimento têm sido dinâmicos, suplementados a cada dia, face a piora de cenário que ocorre diariamente.
Situação do Brasil
O Ministério do Turismo lançou no dia 23 de março uma cartilha com informações para o setor sobre medidas adotadas pelo governo federal. Dentre as medidas está a liberação de cerca de US$ 75.703,00 milhões pelo Ministério via FUNGETUR, redução de juros, aumento de prazos de carência e foco no capital de giro. Para ter acesso a empresa deve ser cadastrada no cadastur e poderá incorporar os encargos para complemento de garantia através de fundos garantidores.
O BNDES trabalha em 03 grandes linhas: mais capital de giro (cerca de US$ 990.884 milhões para pequenas e médias empresas), suspensão de pagamentos e transferências de recursos do FGTS na ordem de aproximadamente US$ 4 bilhões. Os empréstimos são realizados via rede de instituições financeiras credenciadas.
Segundo dados de 25 de março de 2020 o Ministério da Economia estima injetar cerca de US$ 60 bilhões na economia. No entanto, durante uma live com a xp investimentos no sábado 28 de março de 2020, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, explicou que o investimento chegará a cerca de US$ 151 bilhões (aproximadamente R$ 780 bilhões), 4.8% do PIB brasileiro e ainda não foram totalmente implementadas. As ações diretamente relacionadas às pequenas empresas são:
- Linhas de crédito supracitadas, além de liberação de cerca de US$ 99 milhões para o Programa de Geração de Renda (Proger);
- Suspensão por 03 meses o prazo para empresas pagarem o Fundo de Garantia do Tempo de Serviços (FGTS);
- Suspensão por 03 meses referente à parcela da União no Simples Nacional;
- Redução de 50% do valor das contribuições devidas ao Sistema S durante 03 meses;
- Suspensão temporária de pagamentos de parcelas de financiamento diretos para empresas no valor de US$ 3.7 bilhões;
- Suspensão temporária de pagamentos de parcelas de financiamento indireto para empresas no valor de US$ 2.1 bilhões;
- Antecipação de férias com notificação válida de 48 horas;
- Férias coletivas com notificação válida de 48 horas, sem necessidade de notificar os sindicatos e Ministério da Economia;
- Dinamização do banco de horas que permite que o trabalhador fique em casa contanto os dias não trabalhados como banco de horas;
- Abre-se a possibilidade para que haja redução proporcional de salários e jornada de trabalho no limite de 50% mediante acordo individual, com garantia da remuneração mínima de uma salário mínimo e a irredutibilidade do salário hora;
- Antecipação de feriados não religiosos;
- O congresso aprovou no dia 26/04/2020 um investimento de cerca de US$ 3 bilhões para auxiliar trabalhadores autônomos. O projeto de Lei deverá ser sancionado nos próximos dias e segundo o Ministro da Economia, levará alguns dias (1 ou 2 semanas) para ser implementado e chegar na ponta. Tal benefício deve impactar muitos atores da cadeia do turismo como: taxistas, artesãos, guias, vendedores ambulantes, entre outros.
O caso de Portugal
O governo de Portugal estabeleceu um canal de comunicação único que consolida as medidas, simplifica a informação e facilita o acesso para quem quer ajudar voluntariamente e quem precisa de ajuda. Além disso, aprovou no dia 20 de março medidas de apoio econômico e social na ordem de US$ 102 bilhões, que equivale a 4,3% do PIB do país, cujas prioridades são: proteger o emprego, rendimentos das famílias e evitar a destruição de empresas. Para tanto as seguintes medidas foram tomadas:
- Condicionar o acesso das empresas às linhas de crédito disponibilizadas à manutenção dos postos de trabalho. Assim, as empresas que despeçam trabalhadores não serão elegíveis;
- Alargar as linhas de crédito para poder apoiar outros setores, como o comércio;
- Possibilitar o pagamento a prestações do IVA, IRS e IRC ao longo dos próximos três ou seis meses;
- Permitir o adiamento para o segundo semestre do pagamento de dois terços das contribuições sociais das empresas, de forma a ajudar a manutenção da sua atividade e a preservação dos postos de trabalho;
- Suspender o prazo de caducidade dos contratos de arrendamento que viessem a acabar nos próximos três meses;
- Prorrogar de forma automática o Subsídio de Desemprego, o Complemento Solidário para Idosos e o Rendimento Social de Inserção;
O Turismo de Portugal, órgão oficial nacional, divulgou em sua página medidas de apoio a economia, direcionadas ao turismo, no valor de US$28,3 bilhões. Além das linhas de crédito, a entidade colocou à disposição um serviço de suporte online especializado, que provém suporte de 60 formadores das Escolas de Hotelaria e Turismo para apoiar individualmente os negócios nas áreas operacionais, contribuindo para minimizar o impacto dos Planos de Contingência para o Covid-19.
Os Estados Unidos da América
A U.S. Travel Association estima a perda de 5.9 milhões de empregos até o final de abril. O turismo representa emprego para 01 em cada 10 americanos. A perda estimada para o setor em 2020, corresponde a 7 vezes o impacto de 11 de setembro, aproximadamente US$ 910 bilhões.
Estima-se que o país irá injetar cerca de US$ 2 trilhões na economia para mitigar os impactos do coronavírus, aproximadamente 10% do PIB americano, considerando números de 2017. Atualmente o país é o epicentro da pandemia mundial. O Governo dos EUA reúne informações sobre ações relacionadas ao Covid-19 em um site único.
As tratativas são de um investimento de US$ 350 bilhões para pequenas empresas e US$ 250 bilhões para auxílio-desemprego. Tais medidas devem ajudar o setor de turismo.
Nova Zelândia
O pacote econômico preparado pelo governo da Nova Zelândia chega a US$ 12,1 bilhões, cerca de 5% do PIB, considerando números de 2017. As informações ao público estão consolidadas em uma única página.
O site da Tourism New Zeland também disponibiliza informações para o setor. A última atualização disponível é de 18 de março de 2020 e detalha os investimentos para o turismo:
- US$ 5,1 bilhões em subsídios salariais para empresas afetadas;
- US$ 126 milhões em licença Covid-19 e apoio ao auto isolamento;
- US$ 2,8 bilhões em mudanças de impostos das empresas para liberar fluxo de caixa.
Algumas lições aprendidas
- Não só em momentos de crise, mas principalmente neles, é importante ter os dados sistematizados para atacar os problemas comuns e mostrar relevância do setor.
Apesar de ser um setor extremamente relevante para a economia do planeta, o turismo não é valorizado como deveria por vários países, incluindo o Brasil. Basta verificar o orçamento destinado para a pasta em detrimento a outros investimentos, descontinuidades da política pública, entre outros fatores.
O turismo é complexo por ter uma cadeia de valor dispersa, com muitos elos e portanto, necessitar de muita colaboração. Quando tratamos de números a colaboração é ainda mais necessária. Neste momento de crise, vemos a importância de ter um sistema robusto de monitoramento do turismo nos destinos, regiões, estados e no país. Foi assim que a U.S. Travel Association conseguiu prever a queda econômica do setor e o número estimado de pessoas afetadas. Certamente, os empresários estão envolvidos e disponibilizando seus números.
- Ter um canal único de informação ajuda na comunicação com a comunidade
Em todos os países pesquisados há um site sobre as medidas tomadas em relação ao coronavírus. O Brasil lançou recentemente o portal todos por todos. O que ainda não está disponível são as medidas de financiamento de empresas e outras medidas financeiras, além de formas claras de acesso ao crédito, como é o caso dos países pesquisados.
- Os pacotes econômicos de enfrentamento ao Covid-19 devem chegar às pessoas que precisam
Os países estão disponibilizando um percentual relevante do PIB para o enfrentamento ao coronavírus. Além do desafio de buscar recursos, é necessário pensar em medidas efetivas e como facilitar o acesso às informações e ao crédito a quem precisa. É hora de deixar a burocracia de lado e agir.
Vamos nos transformar como setor
Se há uma fonte de esperança, é o fato de o turismo ter se mostrado resiliente e ter experimentado fortes e rápidas recuperações após a crise. Testemunhamos isso após o surto de SARS e a guerra do Iraque em 2003, bem como após a crise financeira de 2008/09. O turismo internacional voltou mais forte do que nunca, registrando uma taxa média anual de crescimento de chegadas internacionais de 5% entre 2010 e 2018 e ultrapassando 1,5 bilhão de chegadas internacionais em 2019. Soma-se a isso a demanda de turistas domésticos, que indica claramente o quanto está em jogo .
Uma oportunidade são as reflexões que pandemia está provocando sobre o futuro do setor. Como resultado dos cortes de vôo e produção, as emissões de CO2 diminuíram drasticamente e estão levando a melhorias notáveis na qualidade do ar e da água. A terra está se regenerando. Portanto, a crise nos lembra e, com sorte, nos convence de quão crítico é buscar modelos de turismo menos intensivos em carbono.
A mudança geracional, os hábitos de consumo da geração Z, já nos mostravam que um turismo mais regional e mais sustentável pode ser a fórmula vencedora. O turismo regional pode ser menos poluente devido a distâncias mais curtas, envolver produtos locais e mais atenção à gestão de água e resíduos.
É válido pensar que sairemos desta crise transformados e poderemos repensar nosso modelo de desenvolvimento. No entanto, não podemos ignorar o fato de que os combustíveis fósseis são amplamente utilizados hoje em dia e que medidas para retomar a economia podem atrasar nossa transformação. Além disso, neste momento difícil, é preciso pensar em sair da crise com saúde. Isso é o que desejamos a todos!
Excelente postagem de Marcela Campos. O turismo gera milhões de empregos diretos e indiretos no mundo e talvez seja uma das áreas mais afetadas pela pandemia.
Obrigado pela contribuição Gilma! O impacto sobre o turismo está sendo enorme! Vamos acreditar na resiliência do setor : )
Parabéns pelo texto Marcela, em meio a tantas informações desencontradas e muitas vezes duvidosas, ficamos a cada dia mais inseguros.
Muito bom apresentar as medidas que vem sendo tomadas no setor em outros países.
grande abs
Obrigado pelo feedback Vinicius! Você tem razão, há muitas informações desencontradas mesmo.
Podemos esperar melhores práticas no turismo devido à crise? Espero que sim! Excelente texto.
Oi João, obrigado pela contribuição. Estou com você. Espero que o setor se transforme positivamente e todas as tendências tem apontado para isso.