Uma inquietude que trago comigo há anos é a aparente diferença de entendimento sobre o conceito de tempo que o chamado “mercado” tem, e o da academia. É rotineiro ouvirmos que demoramos demais a dar respostas para os problemas eventualmente enfrentados pelo mercado, que “custamos” a dar retorno aos seus desassossegos. Paradoxalmente, esse mesmo mercado recorre aos estudiosos de diversas áreas em busca dessas respostas. Seria essa uma das grandes contradições que temos a enfrentar? Um obstáculo real entre a prática e a teoria? Foi com essa indagação em mente, e considerando as exigências do turismo, sua prática e suas consequências ou impactos, que me propus a refletir brevemente sobre o assunto, na tentativa de encontrar pontos em comum e, quem sabe, entender, um pouco que seja, sobre essa questão.
O que é o tempo?
Não pretendo recuperar nem, muito menos, discutir aqui, a evolução do conceito de tempo na história ou na filosofia. Seria muito extenso e, com certeza, fugiria aos propósitos desta reflexão. Bastam-nos alguns exemplos de como esse tema que intriga a humanidade desde sempre, foi pensado ao longo de séculos (ou ao longo do tempo…).
Comecemos por Platão (427-347 a.C.). Para esse filósofo, havia uma oposição entre as coisas que “sempre são” e as que “sempre mudam”. Entre as primeiras estariam Deus e as ideias. Das demais, teríamos um conhecimento imperfeito, uma opinião. Importante destacar que, para Platão, o tempo se associava à ideia de mudança; a “eternidade” é imutável.
Passamos, então, para Aristóteles (384-322 a.C.). Em sua concepção, o tempo em si não se altera, mas não haverá tempo se não houver movimento (ou mudança), e esse movimento pode variar ou, mesmo, cessar. Para este pensador, não teríamos consciência do tempo se não percebêssemos um “antes” e um “depois”.
Poderíamos trazer para nossa conversa as ideias de Plotino, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, René Descartes ou Isaac Newton, Bergson, Espinosa e tantos outros… mas citemos, apenas, Albert Einstein e a sua teoria da relatividade, que lhe permitiu afirmar que “a diferença entre passado, presente e futuro é apenas uma persistente ilusão”.
O que é o espaço?
As raízes do conceito filosófico de espaço encontram-se na antiguidade clássica, quando os gregos consideraram o contraste entre o cheio e o vazio. Platão dizia que o espaço era o “receptáculo de tudo o que existe”; Aristóteles o considerava como o “lugar em que os objetos se localizam”.
Modernamente, sabemos, Einstein criou o conceito de espaço-tempo, em que o espaço tridimensional que conhecemos inclui uma quarta dimensão – atemporal.
Muitas vezes, a noção de espaço se associa ao tempo entre dois eventos ou, apenas, ao espaço geográfico, que define o local de atuação do ser humano. Assim, poderíamos, ainda, discutir o espaço sob o olhar dos geógrafos e de outros estudiosos, inclusive, o dos escritores. Ou seja, cada vez mais, parece, percebemos que a interdisciplinaridade é essencial para a compreensão dos muitos e diversos fenômenos e peculiaridades da vida.
Tempo x timing
Nos dias em que vivemos, profissionais de diversas áreas costumam lidar com o time to market ou o período necessário para que um produto seja concebido e disponibilizado no mercado. É possível que uma das respostas à minha inquietude esteja aí: na mercantilização do tempo. Talvez o tempo tenha se transformado em mercadoria quantificada, medida, vendida, trocada. O “tempo da criatividade”, da idealização, parece ter-se tornado cada vez menor nesse mundo pós-moderno, em que as incertezas e a fugacidade das informações e dos apelos se avolumam e nos dominam – devoram nosso tempo, em mudanças frenéticas, num ritmo tão alucinante que, parece, já não conseguimos perceber o instante em que surgiram. Mal os notamos, e já se foram, se modificaram… Sem nos darmos conta, entramos num ritmo acelerado em que o espaço já não é mais percebido. Os eventos acontecem num compasso ainda não aprendido.
Espaço, tempo e identidade
Muitos filósofos se dedicaram a pensar sobre o conceito original de identidade: “algo que é diferente dos demais, porém idêntico a si mesmo”. A identidade, portanto, nos distingue do outro. Contudo, vale a pena considerar o que a Sociologia nos diz sobre a identidade: ela é construída sobre a história, biologia, geografia, memórias… num tempo/espaço.
Entre as muitas leituras que fiz para compor esta reflexão, aprendi que aprendemos coisas novas quando nos “deslocamos” no espaço ou entre espaços, reconhecendo a história da humanidade nas histórias de cada um de nós. Assim, uma nova história é criada quando as diferentes trajetórias se influenciam mutuamente. Vamos, então, imersos na cultura de que fazemos parte, construindo nossa identidade.
E o turismo, onde fica em tudo isso?
Por agora, basta que fiquemos com a ideia de que o turismo se faz, fundamentalmente, no tempo e no espaço. Além disso, exige autenticidade ou, em outra palavra, identidade. São as diferenças que nos tornam únicos. Do mesmo modo, um destino turístico será “único” se oferecer experiências “únicas” que permanecerão na memória dos viajantes. Some-se a isso a necessidade de termos uma prática durável, que se faça sobre os espaços de modo consciente, que preserve o patrimônio cultural e natural; que respeite o tempo e seus reflexos sobre as pessoas e os lugares (outro conceito que merece nossa atenção). Planejar de modo que sejam contemplados tempo, espaço e identidade é fundamental para que os efeitos das atividades do turismo tragam benefícios econômicos, sociais, ambientais e culturais de modo justo e equânime.
Diante disso, voltando à minha inquietação inicial de o conceito de tempo do mercado ser, aparentemente muito distante do tempo acadêmico, de reflexão e de pesquisa, penso que seja preciso que nos dediquemos a buscar os pontos da reta que nos une nesse espaço que se chama vida, de que todos queremos fazer parte.
Por fim, resta admitir que para refletir sobre tantos e diferentes conceitos necessitaríamos de muitas mais palavras. Ou seja, seria preciso mais espaço e tempo!