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Um tema em alta no mercado turístico é o turismo de experiência e seu poder de atrair um novo perfil de visitantes. Mas por que a oferta de experiências turísticas influencia na decisão de compra do consumidor e qual vínculo com práticas de consumo atuais?

Basta um olhar atento e crítico sobre a nossa sociedade para constatar que algo mudou no relacionamento do indivíduo com o próximo, consigo mesmo e com a vida de forma geral. Sabemos que a sociedade se transformou ao passar por períodos e eventos como a Revolução Industrial, o surgimento da ciência moderna, o  desenvolvimento do capitalismo como modo de produção e o chamado pós-modernismo. Temos como uma análise contemporânea, o filósofo Gilles Lipovestsky e sua teoria da sociedade hipermoderna, abordando a individualização como reflexo da postura cada vez mais hedonista em que nos encontramos e tendo como escape, o denominado por ele hiperconsumo

Considerando a  teoria da hipermodernidade e analisando o consumismo em três fases, temos: a fase um relacionada a produção em massa e padronização dos produtos, a segunda onde práticas de consumo passam a ser influenciadas pelo status e indício de poder aquisitivo alto e a fase atual do hiperconsumismo,  que “se dispõe em função de fins e de critérios individuais e segundo uma lógica emotiva e hedonista que faz que cada um consuma antes de tudo para se sentir prazer, mais que para rivalizar com outrem”.

Desta forma, a hipermodernidade é caracterizada por práticas emocionais e considera que nossos sentimentos, vontades, desejos e a chamada “busca pela felicidade” ditam nosso comportamento atual. Relacionando o conceito com práticas de consumo, nota-se que a decisão de compra perpassa muito mais por aspectos emocionais do que por valor monetário ou até mesmo a real necessidade de obter tal produto ou serviço.

O próprio luxo, elemento da distinção social por excelência, entra na esfera do hiperconsumo porque é cada vez mais consumido pela satisfação que proporciona (um sentimento de eternidade num mundo entregue à fugacidade das coisas), e não porque permite exibir status. (LIPOVETSKY, 2004, p. 25).

E o turismo?

Quando pensamos em produtos turísticos, não deveríamos reagir às teorias acima com distanciamento da forma atual em que as atividades são desenhadas, divulgadas e vivenciadas por seus consumidores. Afinal, ao refletirmos sobre a lógica de um consumo cada vez mais para satisfazer desejos íntimos e cada vez menos para obter status, conseguimos identificar um comportamento parecido no turista de experiências.

Temos aliado ao conceito de turismo de experiência, o destaque da importância de proporcionar sensações, sentimentos e memórias positivas no seu público alvo. Ou seja, é necessário lembrar que a forma de se produzir e vivenciar o turismo é diretamente influenciada por mudanças na sociedade e as práticas atuais do hiperconsumismo, onde as técnicas de venda se baseiam em uma lógica emotiva e prazerosa. 

O turista hipermoderno está preocupado em ter e relatar sensações adquiridas em viagens, que ganham novo sentido: o das experiências e na prática, é necessário enxergá-lo enquanto um indivíduo dos tempos hipermodernos e suas contradições.

 De acordo com Ministério do Turismo (2006), a então considerada nova tendência registrava já uma mudança de foco da inteligência racional para a inteligência emocional, onde os grandes valores econômicos são as experiências e os sonhos. Inclusive, por conta destes, o turismo desponta como um elemento impactante dentre os demais setores econômicos.

Exemplos na prática

Na prática é perceptível o uso de linguagem emocional em textos comerciais de divulgação das chamadas do turismo de experiência onde verbos como “sentir, vivenciar, emocionar” estão sempre em realce.

Em uma busca rápida nas principais plataformas de venda, encontramos desde slogans até mesmo atividades que prometem “sensações e emoções” para seus consumidores.

A empresa Airbnb, considerada a startup que revolucionou o turismo desde sua criação em 2008, inovou ao lançar em 2016 o serviço Airbnb Experiences, onde anfitriões podem cadastrar atividades turísticas que passarão por uma curadoria e uma vez consideradas imersivas e com insights profundos são aprovadas e divulgadas junto ao serviço de aluguel de acomodações.

Abaixo, temos alguns exemplos de experiências formatadas e que utilizam em seus textos comerciais linguagem que recorre a sensações e emoções:

Sabemos que é um desafio entendermos até que ponto seria responsabilidade do turismo satisfazer desejos individuais que vão além da viagem, do destino, do descanso ou da aventura. Além do fato de que seria uma responsabilidade muito grande para o setor, frente aos outros desafios já existentes, como a inclusão da população nos benefícios das atividades, a conservação da cultura local e a exploração sustentável dos atrativos de uma localidade

Porém levantar questões como essas, faz parte da função de planejador, pois embora o turismo possa ser visto como uma indústria (ou como um conjunto de indústrias interligadas), não podemos esquecer que ele também é um arranjo complexo de fenômenos sociais. E afinal, a sociedade contemporânea está sedenta por histórias que podem e devem ser consideradas ao desenhar experiências turisticas repletas de vivências genuínas, autênticas e personalizadas, uma vez que o turismo de experiência fortalece a oferta turística da região, diversificam e apresentam outros recursos que o destino possui para levar aos visitantes.

Bibliografia: LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Editora Barcarolla, 2004.

Imagem de capa: Julian Abrams | Reprodução/ArchDaily
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Renata Toffoli

Renata é turismóloga com mais de 10 anos de experiência no mercado. Mineira da pequena cidade de Antônio Carlos, iniciou sua vida profissional aos 17 anos, acumulando experiências que contribuíram na formação de sua personalidade otimista, espontânea e apaixonada pela transformação que a atividade turística pode proporcionar na vida das pessoas. Com muito brilho no olhar, atuou na execução de políticas públicas de apoio à comercialização de produtos turísticos na Secretaria de Turismo de Minas Gerais, onde esteve à frente do Programa Minas Recebe, coordenando a articulação com importantes players, entidades, operadores, agências de serviços turísticos nacionais e internacionais. Integrou ainda a Rede de Inteligência de Mercado no Turismo do Ministério do Turismo, o Comitê Executivo do Programa de Concessão de Parques Estaduais de Minas Gerais e foi cocriadora do #VempassarinharMG. Desde 2020 é coordenadora de projetos da Turismo 360 Consultoria. Sobre o Turismo Spot: Uma iniciativa com propósito, que oferece para aqueles que atuam no turismo nacional, textos e atividades com poder de provocar pensamentos e reflexões extremamente necessários para um setor tão carente de debates teóricos. Me sinto honrada de participar da proposta!